90 horas sem luz: os perrengues de uma repórter no apagão em SP

São Paulo – Quando a tempestade da sexta-feira (11/10) começou, esta repórter cá desfrutava sua primeira folga em quase duas semanas. Era um respiro com gostinho privativo: aquela sexta era meu natalício de tálamo e eu tinha planejado colocar minhas habilidades (inexistentes) de cozinheira à prova, com uma receita de músculos de panela que vi no YouTube.

Fui arrumar a cozinha para encetar o jantar quando, de repente, ouvi um estrondo potente na janela. A chuva e o vento faziam as esquadrias de alumínio do meu apartamento tremerem. As janelas estavam fechadas, mas entrou chuva mesmo assim. Foi tecido de soalho para lá, tecido de soalho para cá, até que a chuva parou e a luz acabou.

O jantar até que saiu: eu segurei a lanterna e o Pedro, meu marido, colocou os ingredientes na panela. No dia seguinte eu estaria de plantão às 8h, portanto o jeito era dormir cedo e esperar que a luz voltasse. Coloquei o carregador do celular na tomada com a teoria – pra lá de otimista – de que a robustez voltaria de madrugada. Quem dera. Assim porquê milhares de paulistanos, eu ficaria mais de 90 horas sem luz nos dias que ainda viriam.

Acordei no sábado com os grupos de WhatsApp bombando. Meus vizinhos publicavam fotos e vídeos dos estragos daquela noite. A ingresso do condomínio tinha sido interditada tamanha a quantidade de árvores caídas. Teve porta de vidro quebrada, guarita destelhada, carruagem atingido. Parecia um cenário de guerra. E aquilo não era zero.

Mais de 2,1 milhões de consumidores estavam sem robustez na região metropolitana de São Paulo. Sete pessoas morreram em todo o estado durante a tempestade. Já passava da primeira centena o número de chamados do Corpo de Bombeiros para quedas de árvores.

Eu, a única repórter de São Paulo de plantão naquela manhã de sábado, teria muito trabalho pela frente. Mas porquê ocultar um apagão sem internet para publicar as reportagens? O blecaute atingiu minha lar e também a redação do Metrópoles. O sinal de 4G também tinha ido de arrasta pra cima, porquê dizem os mais jovens.

Em procura de um home office improvisado, corri para a lar da minha mãe, em um bairro menos afetado pelo temporal, passando no caminho por dezenas de semáforos apagados e árvores caídas pelo soalho. Pouco tempo depois, recebi um aviso de que o presidente da Enel atenderia os jornalistas no escritório da empresa.

No caminho para a coletiva de prensa, a bateria do meu celular acabou. Só consegui recarregar, ironicamente, no escritório da Enel – que tinha robustez de sobra. Foi ali que ouvi o presidente da empresa, Guilherme Lencastre, proferir que não daria nenhuma previsão para o restabelecimento da luz na cidade. “Tem muitas variáveis cá e eu não quero colocar para vocês uma expectativa que seja frustrada”, ele disse.

Alguns paulistanos receberam as tais previsões frustradas nos canais de atendimento: sábado às 17h, domingo às 8h, segunda às 15h… Nenhuma delas se cumpriu.

Sem robustez na redação nem em lar, passei os últimos quatro dias descendo e subindo os 14 andares do meu prédio para trabalhar na lar de parentes e amigos, e reportar para os leitores do Metrópoles, os impactos de um apagão que eu vivia na pele.

Na rua, entrevistei pessoas na mesma situação que eu. Ou pior. Porquê o morador do Jardim Alfredo, Lucas Santos, que precisou comprar um saco de gelo para manter a insulina do avô resfriada. Na lar dele, zero do que estava na geladeira pode ser salvo.

Na minha, a tal músculos de panela do natalício de tálamo não sobreviveu para uma segunda repasto. Com ela, também foram embora o frango e o peixe congelados, os queijos, alguns legumes e outros ingredientes.

No mercadinho que visitei para uma reportagem, um mercante perdeu todo o estoque de sorvete. Nem o gerador foi suficiente para dar conta do freezer. Enquanto isso, no meu prédio, eu sonhava com um gerador para fazer com que pelo menos o elevador funcionar.

No domingo, ao voltar para lar comecei a sentir uma cólica potente. Já me contorcendo de dor, decidi ir ao hospital. Para trespassar de lar tive que descer os mais de 200 degraus até o subsolo. Na volta, depois de tomar medicação, subi os mesmos 17 andares – três de estacionamento e 14 de apartamentos.

Meu caso nem de longe foi o pior. Em outro prédio, um senhor do 15º andejar precisou ser resgatado também de escada depois ter uma convulsão.

Desde sábado, já noticiávamos no Metrópoles os avisos da Companhia de Saneamento Fundamental de São Paulo (Sabesp) sobre os problemas causados pela falta de robustez elétrica na distribuição de chuva pela região metropolitana. Na segunda, a chuva acabou e precisei que uma amiga me cedesse a lar para que eu escovasse os dentes e tomasse banho – obrigada, Bea!

Na madrugada de terça-feira (15/10), a luz voltou no prédio do Metrópoles. Às 15h, a robustez foi religada também no meu apartamento. Antes que eu pudesse comemorar muito, no entanto, uma novidade mensagem no grupo do condomínio mostrou que a saga estava longe de terminar.

“Boa noite,
Infelizmente, nesse momento, ocorreu um ‘pipoco’ no transformador do prédio vizinho e depois isso nossos elevadores pararam de funcionar”.

E lá se vão mais 200 degraus na volta para lar. Pelo menos desta vez vou ter banho quente quando chegar lá em cima. Espero.



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