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O 1º interesse é o financeiro, diz educador sobre escolas cívico-militares; STF discute o tema – Educação – CartaCapital
O Supremo Tribunal Federal se debruçará, nesta terça-feira 22, sobre o programa de escolas cívico-militares no estado de São Paulo. Desde que foi sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), em maio, a iniciativa entrou na mira de sindicatos e partidos, como PT e PSOL, sob o argumento de inconstitucionalidade.
A oposição sustenta, entre outros pontos, que a lei estadual fere a competência da União de legislar sobre as bases da educação nacional.
Em agosto, como último desdobramento jurídico do caso, a Justiça de São Paulo suspendeu o programa até que o STF se manifeste. A decisão partiu do desembargador Figueiredo Gonçalves, relator do caso.
Como primeiro passo da tramitação no Supremo, o ministro Gilmar Mendes marcou uma audiência pública para ouvir autoridades e representantes da sociedade que possam esclarecer o assunto nos aspectos técnico, político, econômico e administrativo.
O professor da Faculdade de Educação da USP Vitor Henrique Paro se diz confiante de que o STF atestará a inconstitucionalidade do programa. Pondera, no entanto, ser imprescindível que o debate seja pautado pelo caráter profissional das escolas e de seus educadores.
“A escola é revolucionária porque propicia a apreensão da realidade. Se competente, permite ao educando apropriar-se da cultura, que vai muito além dos conhecimentos disciplinares”, defendeu, em entrevista a CartaCapital.
No caso do modelo-cívico militar, segundo ele, o interesse imediato é o financeiro, “seguido da possibilidade de fazer dessas escolas um meio de entregar cargos a militares aposentados“.
Leia os destaques da entrevista:
CartaCapital: Como analisar a chegada da discussão ao STF?
Vitor Paro: A ida do tema ao Supremo resolve completamente a questão, que é inconstitucional. A gente precisa de que nessa audiência pública se tenha recursos suficientes para demonstrar a inconstitucionalidade da pauta.
Para além do devido embasamento jurídico, o que precisa ser levado em conta nesse debate é a escola como um lugar profissional, que tem de ser guiado por quem entende de educação. Assim como nos hospitais os médicos estudam e consideram toda a contribuição histórica da civilização para falar sobre medicina, na escola, onde se processa a escolarização, é necessário ter pessoas que entendam e apliquem tudo aquilo que a nossa história produziu sobre conhecimento educacional.
A escola é revolucionária justamente porque propicia a apreensão da realidade. Se ela é efetivamente competente, propicia ao educando apropriar-se da cultura, que vai muito além dos conhecimentos disciplinares, mas trata do conjunto de conhecimentos, valores, crenças, comportamentos, tudo o que está posto na sociedade. Um bom trabalho escolar, sem dúvida, permite ao estudante compreender que ele vive em uma sociedade injusta, regida pelo capitalismo, um sistema selvagem que nos impõe a lógica do capital.
Eu volto à minha provocação inicial, que acho ilustrativa do caso. Um médico cirurgião, quando tem algum problema em sua cirurgia, não chama o açougueiro para resolver, mas outro cirurgião. Por que quando se tem um problema na escola para resolver vai chamar um “milico”? Não se justifica.
CC: Entusiastas do modelo cívico-militar apontam necessidade de disciplina aos estudantes, que seria supostamente garantida pelos militares…
VP: Primeiro, é preciso ficar claro que essa relação cívico-militar não existe, é completamente desproposital. É uma forma de perfumar o militar com o cívico. Se é cívico, não é militar e vice-versa.
A razão de ser militar é a força, o militar é formado para a força, para a morte, em última instância. O estatuto da educação é completamente diferente: temos de formar para a civilidade, para um mundo de paz, não de guerra.
Dito isso, vamos pensar sobre a disciplina escolar e a disciplina militar, que são coisas completamente diferentes. No caso da militar, estamos falando de uma disciplina cega. No campo de batalha, não se pode desobedecer o comando de quem está acima de você. Na escola, falamos de uma obediência consentida, até porque educar envolve a condição de sujeito do educando. É algo que não se impõe simplesmente ao aluno.
Para ensinar, primeiro você precisa saber como cada pessoa aprende, motivo pelo qual não se educa da mesma forma uma criança de um ano, de seis ou de treze. Isso é um conhecimento técnico que só um professor tem.
Na relação pedagógica, tem de existir uma obediência, mas uma obediência consentida por quem obedece. E a nossa escola vem fazendo isso há mil anos, o que é um erro. As pessoas falam “Paulo Freire que é dialógico”, mas ninguém nunca usou Paulo Freire. A escola exige que o aluno queira aprender, quando o que se teria de fazer é levá-lo a querer aprender e, nessa relação de troca, ele obedece.
O apoio que se tem da sociedade é porque, em geral, nós – pais, mães, tios, professores, adultos – somos militares como educadores
CC: Como avaliar o argumento de que esse modelo propiciaria ambientes escolares mais saudáveis e seguros, deivdo à presença dos militares?
VP: O senso comum pensa a escola como um lugar violento, o que é uma mentira. Generalizam-se os casos de violência dentro da escola ou de ataques externos a elas, desconsiderando que, todos os dias, dezenas de milhões de alunos frequentam essas unidades em completa segurança.
Agora, o apoio que se tem da sociedade, no geral, é porque nós – pais, mães, tios, professores, adultos – somos militares como educadores. A nossa educação é errada, autoritária. De maneira geral, ainda estamos longe de um modelo de educação democrática, em que se preze pelo diálogo, pelas boas relações, pelo carinho entre as pessoas que ali estão. Do professor com um pai, por exemplo, para além de dizer apenas que seu filho é bagunceiro.
Um aluno que vai lá e mata um professor também já foi muito oprimido em sua personalidade, e isso precisa ser dito. É uma crise de gerações. A gente precisa ler livros como Quando eu voltar a ser criança [de Janusz Korczak] e nos questionar, refletir sobre o que está em jogo.
Hoje, muitas vezes, quando um pai fala em disciplinar o filho na escola, está mais preocupado com o sossego dele em casa. Ou mesmo os idealizadores das escolas de tempo integral, sem que se mude em nada o que temos nessas escolas. Lá em 1935, [Jean] Piaget já falava que reunir 40 crianças dentro de uma sala de aula por quatro, cinco horas, diante de um cara falando é absurdo.
CC: E o que dizer do interesse de estados e municípios nesse tema, como no caso de Tarcísio de Freitas?
VP: O interesse mais imediato é o financeiro, seguido da possibilidade de fazer dessas escolas um meio de entregar cargos a militares aposentados, em forte aceno ao setor.
Também fica muito claro o desejo pela privatização da escola, e nisso o Tarcísio anda junto com o prefeito Ricardo Nunes (MDB). Como a gente privatiza a Sabesp e tantos outros órgãos públicos? Primeiro, você faz com que o órgão fique muito ruim para todo mundo reclamar, aí você vai lá e privatiza.
Com as escolas, não é diferente. Uma forma de atrair simpatizantes para a privatização das escolas é bagunçar a escola pública.
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