A tarifa zero não é cara, caro é não pensar no futuro das cidades – 22/10/2024 – Políticas e Justiça
A primeira vez que ouvi falar sobre a tarifa zero no transporte público foi na USP, quando era estudante. Sempre em uma perspectiva utópica. “É muito caro”, eu ouvia. Consequentemente, minha visão sobre a política se construiu baseada nesse ideal: parece legal, mas é muito cara.
Essa visão foi mudando quando comecei a observar o crescimento medida em municípios no Brasil em 2021. Como estavam fazendo, se é tão caro e inviável assim?
Precisava responder a pergunta. Por isso, a escolhi como tema do meu trabalho de mestrado em políticas públicas, na Universidade de Oxford. Analisei cidades brasileiras e algumas na Europa que implementaram a tarifa zero no transporte público para responder: quanto custa e como adotar essa medida no Brasil? Para minha surpresa, os estigmas sobre a medida não são verdadeiros. Ela não é cara, nem complexa ou utópica.
O Brasil é líder mundial na implementação da tarifa zero, com 117 cidades. São mais de 5 milhões de cidadãos transportados gratuitamente todos os dias.
Em 90% dos municípios, o investimento é menos de 2% do orçamento anual. Dois terços delas gastam menos de 1%. São R$ 0,12 por dia por habitante para custear a política. Para fins de comparação, as cidades pesquisadas gastam mais coletando e transportando lixo.
Quem paga a conta? Os mesmos que pagam a conta do asfalto, da via pública e dos serviços municipais: as prefeituras. 88% das cidades que viabilizam a tarifa zero no Brasil custeiam a política com recursos municipais, sem nenhuma nova taxa. Gestores fazem isso realocando recursos e, principalmente, priorizando o transporte público.
Mas por que ter transporte gratuito? Além de o transporte ser um direito básico garantido pela Constituição desde 2015, há outros fatores. A tarifa zero é essencial para enfrentar a crise climática, a mobilidade racista e promover o desenvolvimento econômico e sustentável no Brasil.
Em média, as cidades que implementaram a medida viram um acréscimo de 147% no número de usuários no transporte público. Em algumas, o aumento chegou a 600%.
O preço das passagens faz com que cada vez menos pessoas usem o transporte público. Com menos usuários, a tarifa aumenta. Uma política que pode reverter essa lógica, aumentando o número de pessoas no transporte, é a resposta ideal. Além disso, gestores relataram queda no uso de carros em cidades com tarifa zero, reduzindo a poluição e o trânsito.
A medida também é uma resposta à mobilidade racista, relacionada a como cidades e sistemas de transporte foram desenhados sob uma perspectiva de excluir pessoas pretas e pobres. O país relegou esses grupos às periferias, e há um cruzamento entre a pobreza e as pessoas pretas. Por isso, limitar o uso do transporte público apenas a quem pode pagar significa excluir as pessoas pretas de acessarem a cidade.
A tarifa zero retira esse mecanismo de controle da mobilidade, que se torna, de fato, um direito, sobretudo para pessoas pretas. Isso é observado na prática, já que impacta principalmente pessoas de baixa renda, ou seja, pessoas pretas, que são maioria dos passageiros.
Além dos efeitos de justiça social, os impactos econômicos são notáveis. Cidades com a Tarifa Zero relatam aumento na arrecadação de tributos, sobretudo no ISS (Imposto Sobre Serviços). Isso porque as pessoas passam a circular e consumir mais. Além disso, gestores dizem que empresas foram atraídas para a cidade após a implementação da política. Ou seja, a Tarifa Zero pode ajudar a gerar receita.
Essa política pode ser uma das mais promissoras para a promoção da justiça, mitigação dos impactos climáticos e reconstrução das cidades. Que a gente pare de observá-la como utopia e passe a pensá-la como realidade.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Giancarlo Gama foi “Caju”, de Liniker.
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