Botafogo eliminado no Mundial: ainda temos o direito de chamar de vexame?


Tratar a derrota como fiasco significa manter o pressuposto de que somos melhores do que os concorrentes de outros continentes. É um luxo ao qual não temos mais direito Botafogo 0 x 3 Pachuca | Melhores momentos | Quartas de final | Intercontinental de Clubes
Eu estava em Abu Dhabi em 2010 quando o Inter perdeu para o Mazembe. No dia seguinte, jogadores choravam pelos cantos do hotel, sozinhos, perplexos. Aquele era um evidente vexame. Sobravam motivos para sê-lo: nenhum time brasileiro havia deixado de chegar à final do Mundial, a República Democrática do Congo não era exatamente uma potência do futebol, o Inter passara quatro meses se preparando para, no fim das contas, ver o goleiro adversário quicando com as nádegas no gramado.
Três anos depois, eu também estava no Marrocos quando o Atlético-MG perdeu para o Raja Casablanca (sim, talvez algum indicativo de pé frio). E a reação já era diferente. Lembro de perguntar para Alexandre Kalil, então presidente do clube, se aquela era a derrota mais dura da história atleticana – e de ele ficar quase incomodado com a colocação.
Rondón comemora terceiro gol do Pachuca contra o Botafogo
Getty Images
No Galo, a lógica de vexame já era refutada: argumentava-se que o Marrocos era um país de relativa tradição, que o adversário jogava em casa, impulsionado por uma torcida fanática, e que, bom, só perde um jogo de Mundial quem ganha um torneio continental.
De lá para cá, de nossas primeiras decepções em Mundiais até a derrota do Botafogo para o Pachuca, essa noção foi mudando conforme nossa pretensa superioridade foi caindo por terra. Não somos campeões desde 2012, com o Corinthians (e, com o novo formato, algum dia voltaremos a ser?).
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Como brasileiros, caímos na semifinal com o Palmeiras, em 2020, para o Tigres (México), e com o Flamengo, em 2022, para o Al-Hilal (Arábia Saudita). Como sul-americanos, vimos o Atlético Nacional levar 3 a 0 do Kashima Antlers em 2016 e o River Plate cair nos pênaltis para o Al Ain (Emirados Árabes) em 2018. Metade dos últimos dez Mundiais, contando o atual, teve (terá) uma final sem clubes da América do Sul.
Tratar a derrota do Botafogo como fiasco significa manter o pressuposto de que somos melhores do que os concorrentes de outros continentes – e isso não vem tendo sustentação na realidade: nem nos clubes, nem com a Seleção. Foi uma derrota pesada, e é justo que critiquemos aquilo que for passível de crítica, mas não é um vexame. Foi-se o tempo em que tínhamos o luxo de dar a uma derrota esse caráter excepcional.
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O Botafogo jogou muito mal contra o Pachuca, e dizer isso não significa ignorar os atenuantes da derrota: o calendário como inimigo, o evidente desgaste, a longa viagem, um título comemorado três dias antes, a escolha (ou necessidade de escolha) do treinador por uma escalação mista, com alguns dos melhores jogadores no banco.
Da mesma forma, reconhecer esses atenuantes não significa ignorar que o Botafogo jogou muito mal. Mesmo dentro desse cenário, com todos esses poréns, era possível fazer mais do que o time fez contra o Pachuca – altamente superior ao longo de quase toda a partida.
A derrota é frustrante, mas o que ficará para sempre é aquilo que o Botafogo foi, não o que deixou de ser. As conquistas da Libertadores e do Brasileirão não dependiam de uma validação do Mundial. Elas já formavam aquilo que mais importa para o torcedor: as lembranças de que 2024 foi o maior ano que esse clube já viveu.



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