A disputa por crianças tiradas de mansão e levadas a outro país

Ilustração mostra, através da janela de um avião, duas crianças sendo abraçadas pela mãe. Elas estão vestidas de amarelo e têm expressão de medo e tristeza.

Crédito, Daniel Arce-Lopez/BBC

Atenção: a reportagem a seguir contém relatos de violência.

Num termo de tarde em que o marido estava fora da cidade, Patrícia* foi visitar um parelha de amigos brasileiros que também vivia nos Estados Unidos. Ela estava decidida a, depois de anos, revelar o que acontecia na mansão dela.

A conversa que foi até a madrugada daquele dia de 2021 terminou com uma decisão que transformaria a vida da família dali algumas horas — e geraria uma disputa internacional que persiste até hoje.

“Eram umas 4h da manhã e meu colega disse: você não vai transpor daqui sem tomarmos uma ação. Vou te dar duas opções: vamos vincular para a polícia agora ou você volta para o Brasil”, diz ela.

A seguir, você conhecerá a história de duas famílias que, em diferentes contextos, relatam os efeitos da chamada subtração internacional de crianças — prática proibido em que uma moço é transferida de país sem consentimento de um dos responsáveis. Também confere os alertas sobre os riscos envolvidos e as recomendações e alertas do governo brasileiro para os casos que envolvem violência doméstica, porquê a orientação para reunir provas do insulto sofrido e reportá-los, “na medida do verosímil”, às autoridades locais.

‘Isolada numa ilhota’

Dez anos antes, a história de Patrícia com o ex-marido, Leandro*, começou ainda no Brasil, onde nasceu o primeiro rebento do parelha.

Patrícia descreve que o relacionamento foi “muito oito ou oitenta” desde o início, quando eles tinham murado de dez anos de diferença de idade. “Foi mergulhado em muita paixão, doação, mas, ao mesmo tempo, em muita confusão mental e traições”, diz.

“Pejada de 8 meses, tive que sentar frente a frente com a amante com quem ele tinha há 3 meses um relacionamento sério. Ela ficou saída também de saber ‘porquê assim meu namorado é teu marido e você tá prenha?’”

Em seguida, com o promanação prematuro de Gabriel*, Patrícia diz que as brigas foram relevadas. “Eu estava realizando meu maior sonho: ser mãe e ter minha família.”

Ao mesmo tempo, ganhou espaço a teoria de viver no exterior, o que o trabalho de Leandro poderia proporcionar. “O sonho da vida dele era morar nos Estados Unidos”, diz Patrícia.

Eles se mudaram inicialmente para um país da América Medial. E foi longe da família e dos amigos que “as violências se intensificaram”, conta Patrícia.

“Eu tava longe de todo mundo. Vivia isolada numa ilhota — não dirigia, não falava inglês, não tinha amigos. Era mãe de primeira viagem de um bebê de 7 meses num país onde nunca tinha pisado antes”, afirma. “E lá aconteceu a primeira agressão física.”

Com roxos no pescoço e nos braços, Patrícia diz que tentou o divórcio pela primeira vez.

Voltou para o Brasil, matriculou o rebento na creche e estava em procura de trabalho na cidade da família no sul do país.

Procurou um legisperito e a decisão foi de negociar a guarda e o divórcio, sem fazer boletim de ocorrência. “Eu não tinha nem noção de que aquilo que eu vivia era violência doméstica. Hoje faria tudo muito dissemelhante”.

Semanas depois, Leandro reapareceu pedindo perdão.

“Ele descobriu o endereço novo dos meus pais e apareceu na rua. Ele se ajoelhou aos meus pés e chorava muito, dizendo que tinha se convertido — eu sou cristã, logo ele usou muito da minha fé, falou que ele conhecia agora Deus, que eu tanto falava, e Jesus, e que ele era um novo varão.”

“Chorei, falei ‘glória a Deus’, e voltei para ele”.

Não sem colocar condições. Desta vez, Patrícia disse que o rebento iria para a creche, ela dirigiria e procuraria um trabalho. “Eu ia ter minha vida.”

Patrícia engravidou pela segunda vez.

“Foi muito quando comecei a ter minha independência, logo tenho suspicácia sobre os dias em que, do zero, ele trazia o anticoncepcional até minha mão, dizendo que eu podia permanecer deitada que ele pegaria.”

No termo da segunda gravidez, eles deixaram a América Medial e se mudaram para os EUA — onde Patrícia teve a filha, Olívia*, e também os piores anos da relação com Leandro.

Quando a bebê tinha poucos dias de vida, o rebento mais velho era uma moço pequena e o parelha tinha poucos meses nos EUA, Leandro avisou que precisaria fazer uma viagem de 40 dias para uma conferência na Europa.

“Eu teria que permanecer ali sozinha, sem rede de espeque, morando havia três semanas naquela mansão, sem saber ninguém. Foram 40 dias no deserto. Eu tinha recém tirado os pontos da bojo.”

Desde que tinha saído do Brasil, foi a primeira vez que Patrícia teve aproximação a um cartão bancário para consumir um pouco – porquê uma compra no mercado – sem pedir ao marido. O cartão era de débito e tinha o suficiente “para sobreviver”, ela diz.

“Até logo, nunca tive aproximação a moeda ou ajuda porquê de uma faxineira. E nós sempre tivemos uma quesito financeira muito boa — ele ganhava muito muito, mas o moeda era todo para relógios, carros… A ponto de comprar iate. Mas ajuda para mim nunca teve. Ele usou muito do meu sonho de ser mãe e dona de mansão. Quer? Logo se vira.”

Patrícia diz que as agressões aumentaram e relatou diversos episódios de potente violência à reportagem.

Em um deles, ela chegou a ser levada ao hospital, ficou temporariamente sem conseguir caminhar e perdeu a memória por um período.

“Eu tava fazendo sanduíche na sala e lembro que naquela hora ele queria sexo. Mas a gente tinha voltado da praia, eu tava exausta, com maiô molhado, enxurro de areia, falei não. Começamos uma discussão e eu lembro de tomar um tapa muito potente e desabar no sofá. Lembro depois de ver sangue saindo do meu nariz e sentir muita dor de cabeça.”

Essa memorandum, diz Patrícia, só veio meses depois — antes, o marido dizia que ela estava confusa e que, na verdade, teria gritado por ajuda, desmaiou, e ele a teria salvado.

“As peritas dizem que [a falta de memória temporária] foi um pós-traumático. O cérebro desligou para sobreviver”, diz.

Silhueta das mãos de mulher pressionando contra vidro

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Patrícia diz ter permanecido na relação por muito tempo por descobrir que poderia mudar o comportamento de Leandro

‘Meu coração de mãe começou a rasgar’

A violência, inicialmente direcionada a ela, passou a ter os filhos porquê alvos.

“O Leandro começou a se transformar na questão de agressão às crianças”, diz. “Meu coração de mãe começou a rasgar. A violência com as crianças começou muito sutil, porquê disciplina — essa era a termo que ele usava, da origem militar dele.”

“Por exemplo, a Olívia começou querer balbuciar a voz, dava uns gritinhos, e ele começou a manifestar que tinha que passar pimenta na boca para disciplinar. Eu disse: não vai passar, nunca. E ele passava vinagre. Pegava tampinha de garrafa de Coca-Cola, colocava vinagre, e deixava perto do carrinho. Quando ela gritava, ele molhava o dedo e passava na boca”, diz. “Ele dizia que mulher falava demais e que a filha dele não seria essa mulher que ficava falando sem parar.”

Com Gabriel, “o chinelo já ficava perto para ele entender que ia recolher se não comesse tudo em 20 minutos”.

“Uma vez que eu nunca apanhei dos meus pais, ele dizia que eu era mimada, que eu não sabia disciplinar e educar filhos.”

Em procura de alguma independência financeira, Patrícia retomou o projecto de buscar um trabalho e falou com uma amiga que tinha experiência com faxina na cidade.

“Era a família linda, todo mundo muito vestido, ele usava Rolex, tinha Porsche e a mulher dele vai fazer faxina? Ela não entendeu zero.”

E a reação do marido? “Se você for trabalhar, vai ter que arrumar um tarefa em que vai conseguir remunerar a escolinha da Olívia — porque eu não vou remunerar a escola dela, o responsabilidade de permanecer com ela é seu — e o moeda que sobrar você fica”, disse ele à esposa.

Patrícia assumiu a faxina de uma loja na madrugada, antes de o negócio terebrar, de domingo a domingo. “Ele deixou porque tava dormindo: eu saía 3h da manhã, voltava 7h, e as crianças ainda estavam dormindo.”

No dia do natalício, Patrícia encontrou no trabalho o banheiro mais sujo que já tinha visto. “Botei luva, máscara e fui”, diz.

“Chorei muito limpando aquele banheiro, eu falava muito para Deus que aquele banheiro era minha vida e que eu ia limpar aquele banheiro, mas eu ia limpar minha vida também.”

Patrícia diz que permaneceu na relação por muito tempo porque achava que seria verosímil mudar o comportamento de Leandro. E relata um sentimento de farsa.

“A vida que eu vivia dentro de mansão não era a que eu vivia fora de mansão”, diz. “Nós vivíamos na igreja, e ele teve uma posição dentro da igreja onde ele era diácono. Mas, ao mesmo tempo em que estávamos no domingo de manhã na igreja, ele dava socos no Gabriel antes de ir. Aquilo ali me machucava muito, porque eu não conseguia entender, eu não conseguia realizar dentro de mim porquê eu faço para ter uma família igual à que eu tive”, diz, em confrontação à relação dos pais dela.

‘Fugi para salvar meus filhos’

A violência do logo marido, um varão de quase 2 metros de fundura, contra as crianças se intensificou.

Foi aí que Patrícia abandonou a teoria de que poderia “salvar a relação”.

“Se não tivesse tido essa intensidade de violência com as crianças, eu não teria deteriorado forças para transpor. Fugi para salvar meus filhos.”

Patrícia relata que Leandro chegou a deixar o rebento — depois de ter apanhado e com marcas de sangue na perna — trancado no quarto por um dia todo.

“Fiquei deitada do lado de fora, chorando na porta. Eu queria arrombar a porta, mas eu tinha uma bebê também, e tinha pavor do que poderia ocorrer”, diz.

O pai não quis que a moço fosse levada ao médico, segundo Patrícia, “porque o médico ia ver as marcas e entender o que aconteceu”. Em vez disso, ele comprou passagens para a Disney.

Em outra ocasião, “as duas crianças começaram a discutir e ele deu um soco na boca do estômago do Gabriel”. “Olhei pra trás, vi meu rebento sem respirar, com a boca roxa. Eu não sabia se eu pulava no Leandro ou se eu salvava o Gabriel.”

Patrícia filmou uma agressão do ex-marido ao rebento, que ocorreu, segundo ela, depois que a moço não conseguiu pronunciar uma termo corretamente.

A pinga d’chuva veio quando Patrícia viu Leandro segurar uma faca.

“No último dia que dormi naquela mansão, ele arrombou a porta segurando uma faca. Ele subiu, tentou terebrar e tava trancado [o quarto]. Coloquei um andador prendendo a maçaneta, por dentro, pra ele não terebrar. Ele arrombou — tenho filmado”, diz. “Ele veio com uma faca na leito, não falou uma termo. Ele só olhou pra mim com a faca na mão, pegou o travesseiro dele e saiu. Pensei: não vou permanecer mais um dia cá porque vai ocorrer uma tragédia.”

Mão segura faca em direção a uma pessoa que aparece desfocada no fundo da imagem

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, ‘No último dia que dormi naquela mansão, ele arrombou a porta segurando uma faca’, diz Patrícia

Sem aproximação a moeda e sem dominar a língua de onde vivia, Patrícia diz que sentia premência de tomar uma atitude há muito tempo, mas se via com poucas opções.

“No incidente em que dormi no lado de fora da porta do Gabriel, foi um dia que pensei na polícia. Visualizava a polícia entrando ali, vendo sangue, e levando ele recluso. Mas aí imaginava ele recebendo a polícia, falando inglês fluente com a polícia, dizendo que eu tava louca. E estávamos em processo de Green Card [visto permanente de imigração para os EUA] e ele falava muito pra mim: ‘Se a gente perder esse processo, eu mato você’. Ele dizia que era risota, mas eu sabia que era sério.”

‘Nunca imaginei que no dia seguinte estaria no Brasil’

Sem vislumbrar uma saída, Patrícia foi visitar um parelha de amigos dela e de Leandro, mal o logo marido havia partido para uma viagem de termo de semana.

“Eles eram da igreja, eu confiava muito neles, eram meus pais lá”, diz. “Mas nunca imaginei que no dia seguinte estaria no Brasil. Deixei roupa batendo na máquina.”

Ela relatou o que acontecia dentro de mansão — não sem percorrer qualquer risco, já que o parelha também era muito próximo a Leandro.

“Ele [o amigo] chorava, não acreditava que tinha sido iludido. Deus colocou eles ali porque não sei sozinha o que faria.”

Patricia diz que ouviu do colega: “O que você tá contando é violação e eu não vou acobertar um violação.”

E foi aí que ela foi questionada se queria, naquele momento, invocar a polícia ou voltar para o Brasil.

“Não pensei duas vezes. Falei ‘obviamente quero ir para o Brasil’. Vão levar ele recluso e eu vou permanecer nos EUA? Nunca tive senha de banco, não sabia nem o nome do legisperito do Green Card, não sabia quanto ele ganhava”, diz. “Se eu perguntava de alguma coisa, ele respondia perguntando se tava faltando alguma coisa, de forma sarcástica e ameaçadora.”

Às 4h da madrugada daquele dia de 2021, os amigos compraram a passagem para Patrícia e as crianças embarcarem ao meio-dia.

“Ali no aeroporto foram horas muito difíceis, de entender o que eu estava fazendo. Eu não tinha a mínima noção de todo esse processo que agora tô enfrentando. Meu colega falava: Patrícia, vai em sossego, você tá segura agora. Deixa comigo que vou avisar o Leandro. Quando você decolar, prometo que vou vincular pra ele, manifestar onde estão indo e que a gente sabe de tudo.”

(Leia mais aquém sobre os riscos de natureza lítico da decisão de se mudar de volta para o Brasil com menores, sem o consentimento do pai ou responsável pela moço, segundo o governo brasiliano e a ONG Revibra Europa.)

Convenção de Haia e a subtração internacional de crianças

Ao chegar ao Brasil com os filhos, Patrícia recebeu uma foto de Leandro.

“Era uma selfie dele com a golpe americana detrás, dizendo: ‘vou buscar meus direitos e você vai se arrepender disso’”, diz. “Eu não tinha noção da Convenção de Haia.”

A Convenção de Haia de 1980 e a Convenção Interamericana de 1989 abordam a chamada subtração internacional de crianças e adolescentes — quando são levados, sem consentimento do outro pai, do país onde costumam viver.

Até agosto, o Brasil já tinha 110 pedidos de retorno ao Brasil ou de repatriação de crianças para outros países neste ano por subtração internacional, segundo o governo brasiliano.

Um dos casos mais conhecidos no Brasil nas últimas décadas foi o de Sean Goldman, nascido nos EUA em 2000, de mãe brasileira e pai americano. Depois a morte da mãe, o pai biológico pediu — e conseguiu — o retorno dele aos EUA.

Os tratados internacionais preveem que as nações devem colaborar para que uma moço subtraída possa voltar de forma imediata e segura ao país onde costumava viver.

A intenção é proteger crianças e adolescentes até 16 anos que passam por situações de ruptura familiar e que são deslocadas de forma repentina para outro país.

Há, no entanto, exceções para essa regra universal de retorno da moço ao país de residência habitual.

Não há obrigação de restituir a moço ao país de origem quando “existe um risco grave de a moço, no seu retorno, permanecer sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, permanecer numa situação intolerável”, prevê o tratado internacional.

Aliás, organizações civis e autoridades brasileiras que atuam no tema vêm defendendo que casos de violência doméstica contra a mãe ou pai também passem a configurar porquê exceção.

No Brasil, a previsão é que o tema seja votado pelo Supremo Tribunal Federalista (STF), onde uma ação pede que em casos de “suspeita ou evidência de violência doméstica em país estrangeiro”, a moço não seja repatriada ao “lar do invasor” no país onde vivia antes de ser levada a território brasiliano.

Pedido de retorno de Olívia e Gabriel aos EUA

No caso de Patrícia, não demorou para que ela recebesse uma notícia da Mando Medial Administrativa Federalista (Acaf) sobre o pedido de retorno das crianças para os EUA — o país é, aliás, o que tem mais pedidos relacionados à subtração internacional em trâmite no Brasil.

A Acaf, vinculada ao Ministério da Justiça, é o órgão que recebe pedidos de outros países para restituir crianças que estão no Brasil — e que se comunica com autoridades de outros países para pedir o retorno de crianças ao Brasil.

Michelle Najara, que chefiava a Acaf em julho, quando conversou com a BBC News Brasil porquê coordenadora-geral de Adoção e Subtração Internacional de Crianças e Adolescentes do Ministério da Justiça, disse que o órgão procura, quando verosímil, resolver os casos de forma administrativa.

Se não há harmonia, a Acaf encaminha o caso à Advocacia-Universal da União (AGU), responsável por ajuizar a ação de subtração internacional na Justiça Federalista.

É generalidade que a AGU seja vista, nesses casos, porquê a resguardo do pai deixado em outro país. No entanto, o procurador pátrio da União de Assuntos Internacionais da AGU, Boni de Moraes Soares, diz que o papel da AGU é atuar em nome da União e não do pai menosprezado.

“O importante é trenar a nossa obrigação para com os demais países que são secção do tratado — seja para restituir a moço, seja para aquela moço fique cá”, diz, em referência aos dois possíveis desfechos.

Patrícia teve decisão favorável a ela (ou seja, pela permanência das crianças no Brasil) na primeira instância e conta que, depois disso, a AGU saiu do processo e ela venceu também na segunda instância. Sem a atuação da AGU, Leandro precisou recorrer da decisão com legisperito pessoal.

Sem identificar o caso específico de Patrícia, a BBC News Brasil questionou a AGU sobre cenários em que o órgão deixa de atuar.

Soares explicou que isso de veste acontece em alguns casos, porquê quando o juiz constata que houve violência doméstica e identifica risco para a moço se ela voltar.

“A partir do momento que há prova e que o juiz constata violência e risco para a moço, passamos a concordar com o juiz e não mais recorremos. Aí, de veste, o pai ou mãe que tiver perdido a moço pode recorrer por sua conta e risco.”

E quão provável é que um pai ou mãe consiga virar a decisão judicial, em um caso com essas características, posteriormente a AGU deixar o caso?

“Muito baixa [a chance]. Se a União sai do processo, isso envia uma mensagem para o sistema de Justiça: olha, o responsável original já não persegue o recta que queria, ele já se convenceu de que o juiz de primeira instância tem razão e que há uma hipótese não retorno”, diz Soares.

Mãos mexendo em celular

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Ao chegar ao Brasil com os filhos, Patrícia recebeu uma foto de Leandro: “Era uma selfie dele com a golpe americana detrás, dizendo: ‘vou buscar meus direitos e você vai se arrepender disso’”

Violência doméstica no exterior

A advogada e mediadora Janaína Albuquerque, que atua baseada na Europa, diz que mulheres migrantes estão “mais suscetíveis a violência” e “muito mais suscetíveis a admitir que as coisas cheguem a um nível muito pior justamente pela falta de suporte e de recursos”.

Coordenadora jurídica da ONG Revibra Europa, que oferece assistência gratuita para migrantes vítimas de violência doméstica, Albuquerque enumera dificuldades enfrentadas por elas.

A advogada cita a recorrente sujeição financeira em relação a parceiros, a dificuldade de acessar abrigos (principalmente com crianças), o “pavor de deportação” nos casos em que o status migratório depende do vínculo com o marido, a inexistência de uma lei porquê a brasileira Maria da Penha, a dificuldade de acessar serviços equivalentes ao que seria um examinação de corpo de delito no IML no Brasil em casos de agressões físicas, entre outros.

“Quando você acrescenta a transmigração, a classe social, a raça, tudo isso combina para que a mulher seja mais descredibilizada ou não”, diz a técnico, que participou de debate no Fórum Global sobre Violência Doméstica em casos de Subtração Internacional de Menores de 2024 na África do Sul.

Albuquerque também fez sustentação vocal na votação do Supremo sobre o tema, representando a Revibra Europa e outros institutos porquê amicus curiae.

A possibilidade de que casos onde há “suspeita” de violência doméstica (e não “violência comprovada”) sejam considerados exceção para repatriar crianças — porquê pede a ação no Supremo — não poderia levar pessoas mal intencionadas a alegar violência doméstica quando ela não tiver de veste ocorrido?

“Entendo a preocupação reversa, de que falsas denúncias podem ocorrer, mas acho que, na proporção das coisas, é muito mais preocupante que tantos casos [de violência doméstica] passem batidos, que essas situações e essas dificuldades sejam ignoradas”, diz ela, em relação às barreiras para conseguir justificar violência doméstica.

Albuquerque destaca a dificuldade de conseguir provas no exterior e de levá-las ao Brasil. “Você não consegue ter uma imitação do boletim de ocorrência, porque eles não dão; você não tem uma imitação do sindicância policial e, muitas vezes, eles são arquivados por falta de provas ou falta de testemunhas”, exemplifica.

A advogada menciona, por exemplo, que gravar um vídeo ou áudio sem consentimento pode ser violação, dependendo do país onde essa pessoa estiver.

“Conseguir essas provas é muito, muito difícil, ainda mais quando a violência não é física, e é psicológica ou administrativa, por exemplo, de prenúncio ou de esconder documento”, diz.

Pessoa com o rosto para baixo, em primeiro plano, com outra atrás, desfocada

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Mulheres migrantes estão ‘mais suscetíveis a violência’ e ‘muito mais suscetíveis a admitir que as coisas cheguem a um nível muito pior justamente pela falta de suporte e de recursos’, diz a advogada e mediadora Janaína Albuquerque

Levantamento da AGU ao qual a BBC News Brasil teve aproximação mostra que das 173 ações sobre subtração internacional de crianças que chegaram à instituição nos últimos seis anos, aproximadamente metade envolveu alegado de violência doméstica.

O reconhecimento judicial da violência, no entanto, só aconteceu em uma em cada cinco dessas ações, segundo o órgão.

A AGU não detalhou a proporção de gênero nessas ações, mas disse que “no universal, as mães são as principais vítimas desse tipo de violência”.

Em um item na Folha de S.Paulo, no qual defende que a violência doméstica deve ser exceção de retorno, o desembargador Guilherme Calmon Nogueira da Gama, presidente do TRF2 e coordenador pátrio do Grupo de Juízes de Enlace para a Convenção de Haia, diz que “o tema tem um viés de gênero”.

“Muro de 80% dos casos de subtração de filhos são pelas mães que voltam do exterior sem a autorização do pai”, escreveu.

Michelle Najara, que estava primeiro da Acaf, disse que a convenção “tem que se harmonizar à verdade brasileira”. “Não se pode tentar infligir uma convenção considerando uma verdade de 40 anos detrás, em que não se discutia sobre violência doméstica”.

Embora defendam atualizações na convenção, todas as autoridades e os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil destacaram a preço da Convenção de Haia.

Najara aponta que, se não fosse a convenção, “os pedidos passariam por embaixadas, e os pedidos diplomáticos são feitos e atendidos com base na voluntariedade — o país pode ou não querer”.

‘Não desconfiei que ele não voltaria’

Imagem mostra mulher loira, de costas, abraçando uma figura de uma criança que aparece recortada da foto, em alusão à ausência do filho. Ela olha para uma casa, que aparece no fundo da imagem

Crédito, Daniel Arce-Lopez/BBC

Legenda da foto, Amanda autorizou que o rebento viajasse de férias com o ex-marido, mas eles não retornaram

Foi a Convenção de Haia que permitiu que a brasileira Amanda*, que vive no Canadá, recuperasse o rebento, Vicente*.

Amanda, o ex-marido e Vicente — todos brasileiros — viviam em Quebec desde 2015.

Imigraram juntos e se divorciaram anos depois. Amanda diz que, na idade da pandemia, os planos do parelha ficaram descoordenados — ele queria voltar ao Brasil e ela pretendia continuar no Canadá. Depois “alguns episódios de violência verbal, psicológica e financeira”, o casório terminou.

Até que em 2022, oficialmente separados e vivendo na mesma cidade, Amanda e o ex-marido negociaram autorização de viagem para que Vicente viajasse nas férias com a mãe, primeiro, e depois com o pai.

“Viajei para os EUA com meu rebento pra encontrar minha família, que tinha viajado pra lá. Ficamos 15 dias — fui no dia que falei que ia e voltei no dia que falei que voltava.”

Em seguida, o garoto, logo com 11 anos, viajaria com o pai para o Brasil.

“Quando ele [o ex-marido] me pediu uma viagem de 40 dias, eu autorizei — até entrei em contato com a escola para ver se teria problema, foi tudo muito organizado”, diz. “Dei [autorização] — porque sabia que ele ia e voltava. A vida dele era cá, ele tinha aluguel, sege… Em momento qualquer desconfiei da possibilidade de ele permanecer no Brasil.”

Mas Vicente não retornou dessa viagem de férias com o pai.

Amanda tem na ponta da língua as datas: a que o rebento viajou e a que ele deveria ter voltado, escritas na autorização que ela assinou — documento que depois virou a prova da subtração internacional.

Inicialmente, o ex-marido disse que tinha contraído covid e retornaria alguns dias depois com rebento. Depois, no entanto, comunicou pelo WhatsApp que não tinha previsão de retorno.

“Ele me enviou uma mensagem de texto pelo WhatsApp simplesmente comunicando a decisão de permanecer no Brasil e dizendo que era um libido do meu rebento permanecer no Brasil, que eles seriam muito felizes lá e eu ia ver isso.”

Era o termo da tarde de uma sexta-feira. “Desmoronei”, diz Amanda, que ligou para a polícia e fez boletim de ocorrência.

Em seguida, ela buscou ajuda da mana, de grupo de brasileiras no Canadá, além de um serviço de aconselhamento jurídico da empresa onde trabalha. Foi quando descobriu porquê funciona a Convenção de Haia e iniciou o processo para ter o rebento de volta ao Canadá.

“Tive que provar que a residência habitual do meu rebento era cá — escola, médico, entradas e saídas de viagens daqui”, diz. “É uma luta contra o tempo.”

Amanda depois descobriu que, durante as supostas férias no Brasil, o ex-marido viajou ao Canadá e “se desfez do sege, de tudo dele, pediu destituição, e voltou ao Brasil”. “Tudo premeditado”, diz.

Depois meses de burocracia e disputa internacional, Amanda conseguiu no início deste ano a decisão da justiça no Brasil que determinou o retorno do rebento ao Canadá. O ex-marido recorreu da decisão.

“Nem sei se tenho religião, mas eu tinha fé de que ia conseguir… Uma certeza de que poderia demorar o tempo que fosse, mas meu rebento ia voltar, e de que eu lutaria por ele até o termo.”

Ela buscou o rebento na mansão do pai no interno de São Paulo, em uma operação com dois oficiais de justiça, que entregaram o garoto a ela.

Amanda diz que o rebento chorou no caminho até o hotel e, no dia seguinte, acordou entusiasmado porque andaria de avião.

Ela diz que não foge do ponto com o rebento e que, desde o início, diz que ele poderia voltar ao Brasil se desejasse.

“Eu falei ‘Aconteceu uma coisa de muito falso, a mamãe tá tentando consertar. Mas se o seu libido for de permanecer no Brasil, você vai permanecer no Brasil, mas a gente tem que consertar as coisas’”, diz. “Meu papel sempre foi esse na vida do meu rebento: falar a verdade e respeitar a vontade dele, mas eu não podia deixar as coisas do jeito que estavam.”

Amanda e Vicente seguiram para o Canadá, com a bebê que Amanda teve nesse período — ela diz que foi do promanação da filha, aliás, que ela tirou forças para confiar que repatriaria Vicente. “Foi ela que me deu toda fortaleza pra lutar pelo meu rebento até o termo.”

‘Cicatrizes emocionais’

A saída repentina do envolvente em que a moço está acostumada a viver pode gerar um “estresse tóxico” para ela, diz o psiquiatra da puerícia e mocidade Guilherme Polanczyk, professor da Universidade de São Paulo (USP).

É uma situação dissemelhante do que ocorre em uma mudança de país numa situação ideal, preparada pela família— que, explica o psiquiatra, “gera um estresse, mas pode ser um estresse positivo, que vai fazer com que essa moço desenvolva uma novidade língua”, por exemplo.

“Mas um pouco sem essa preparação, traumático e escarpado, vai gerar um estresse tóxico que, provavelmente, a partir daí, haverá sofreguidão, sintomas emocionais, irritabilidade e outros sinais de que o estabilidade emocional da moço foi atingido.”

Ao mesmo tempo, Polanczyk pondera que “se essa moço saiu de um envolvente nocivo e vai para um envolvente que a protege, isso pode ser positivo para o desenvolvimento dela a médio prazo”.

Do ponto de vista do desenvolvimento infantil, ele diz que “faz todo sentido” que uma situação comprovada de violência contra a mãe — ainda que não diretamente contra a moço — seja considerada uma exceção para o retorno da moço para aquele envolvente. Isso porque, segundo ele, esse tipo de situação gera um “efeito gigante” para a moço, com riscos de problemas de saúde mental e de desenvolvimento.

E quais devem ser os cuidados com as crianças e adolescentes subtraídos de um país?

Os desafios mudam não só com as características de cada situação, mas também com a idade dessas crianças e adolescentes.

De forma universal, a recomendação do psiquiatra é que o ponto não seja empurrado para insignificante do tapete depois de uma mudança de país. Não falar sobre o tema, diz Polanczyk, pode “gerar cicatrizes emocionais”.

“É preciso falar o que aconteceu, integrar aquela vida anterior naquele outro país, naquele outro contexto, com a vida atual”, diz. “É importante trabalhar o que vinha acontecendo naquele outro envolvente, por que isso aconteceu, quais são os sentimentos que a moço tem”.

Ele diz que uma resposta verosímil, por exemplo, é que a moço que deixou um envolvente nocivo fique, por um lado, aliviada por ter saído, mas ao mesmo tempo tenha um sentimento de culpa pelo pai ou mãe que ficaram — e até sinta que teve alguma responsabilidade.

“Os pais têm a tendência, em universal, de descobrir que é melhor não falar, que a moço não tá entendendo, e que tá tudo muito. Mas elas entendem alguns elementos e muitas vezes interpretam de formas muito equivocadas e variadas — que às vezes são formas prejudiciais”, diz. “A verdade é muito importante.”

Um dos pontos que tornam esses casos ainda mais desafiadores é que não é só a saúde mental das crianças em jogo. “É uma situação de super traumatismo para os pais também. A instabilidade que esses pais passam, e as mães principalmente, será transmitida para a moço”.

Ajuda no exterior

A silabário alerta, por exemplo, para o veste de a retirada das crianças ser considerada violação em alguns países, o que pode levar a um pedido de prisão do pai denunciado de subtrair a moço.

Também orienta que a mãe vítima de violência doméstica reúna o maior número de provas do insulto sofrido e sugere que sejam reportados, “na medida do verosímil”, às autoridades locais, antes da decisão de deixar o país.

Entre as provas que podem ser consideradas, segundo a silabário, estão laudos médicos, relatos para organizações estatais de espeque a vítimas de violência doméstica, notificações e denúncias para a polícia.

A sugestão é que as denúncias sejam preferencialmente feitas na companhia de uma pessoa de crédito, com conhecimento da língua e cultura locais.

Em situação de emergência, a recomendação é invocar a polícia ou ambulância.

Para quem está no Brasil e quer denunciar violência contra a mulher, o governo disponibiliza o Ligue 180, que funciona 24 horas por dia, incluindo sábado, domingos e feriados.

Em caso de emergência, a vítima ou alguém que esteja presenciando alguma situação de violência pode pedir ajuda por meio do telefone 190.

*Os nomes foram alterados para preservar a identidade das crianças envolvidas.



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