A lógica do negócio do entretenimento por streaming – 27/11/2024 – Maurício Stycer

Pode parecer decepcionante que a Netflix trate Ayrton Senna como um herói quase unidimensional na minissérie que estreia nesta sexta-feira (29). Mas a realidade é que a gigante do streaming só fez esse investimento milionário, o maior numa produção brasileira até hoje, porque sabe que o piloto brasileiro é visto como um herói por muita gente em diferentes cantos do planeta.

A empresa acumula casos de produções locais que se tornaram fenômenos globais de forma inexplicável, sem que isso fosse previsto. A sul-coreana “Round 6” e a britânica “Bebê Rena” são dois exemplos relativamente recentes.


Já “Senna” é uma dessas oportunidades em que se vislumbra a priori a possibilidade de alcançar uma audiência global. Nenhuma produção brasileira da Netflix conseguiu isso.

Morto num acidente na pista de Ímola, em 1994, o piloto acumula admiradores incondicionais do Brasil ao Japão, passando por Itália, Inglaterra e outros países europeus que seguem o mundial de Fórmula 1 com paixão.

A Netflix deve chegar ao final de 2024 com cerca de 280 milhões de assinantes; os EUA e o Canadá respondem por 30% do total. Brasil, Inglaterra, Alemanha e França estão entre os países com maior número de assinantes fora da América do Norte.

Nada mais atraente, do ponto de vista do negócio do entretenimento por streaming, que uma produção centrada na ideia de que o audacioso brasileiro foi vítima do “sistema” da Fórmula 1, tendo que enfrentar dois franceses de péssimo humor, o piloto Alain Prost e o dirigente esportivo Jean-Marie Balestre.

Some-se a isso o fato de que a família do piloto, por meio da Senna Brands, foi parceira da Netflix na produção. Oficialmente, significa que a empresa que cuida da marca Senna deu acesso a um grande acervo, como fotos e documentos, à produção.


Perguntei se a parceria envolveu pagamento por parte da Netflix e se a Senna Brands teve direitos de aprovação no roteiro e no resultado final. “Seu envolvimento foi com o objetivo de apoiar a autenticidade do projeto. Sobre pagamento não abrimos termos do contrato”, respondeu a Netflix.

Os 30 anos da morte de Senna motivaram perto de uma dezena de marcas a promoverem produtos e campanhas de publicidade evocando o piloto e o seu legado.

Feito este longo preâmbulo, é preciso dizer que “Senna”, a minissérie, é um produto de altíssima qualidade, que coloca a Netflix brasileira num outro patamar. A produção dos irmãos Fabiano e Caio Gullane, igualmente, não faz feio na comparação com produções de ponta no mercado mundial.


Vicente Amorim assina como showrunner. O roteiro de Gustavo Bragança e equipe acerta na opção de centrar foco em alguns poucos episódios cruciais da carreira e da vida de Senna, sempre com um ponto de vista muito determinado, sem receio de renunciar a inúmeras outras versões das histórias.

Esse caminho dá à minissérie um ritmo veloz, atraente, que mantém o espectador preso ao longo dos seis episódios. E também vai alimentar dezenas de polêmicas entre os fãs, com reclamações sobre abordagens ou críticas à eventual falta de verossimilhança.

Gabriel Leone está muito à vontade no papel de Senna. A inglesa Kaya Scodelario se sai bem como a jornalista Laura Harrison, uma personagem ficcional, que representa o olhar da mídia estrangeira sobre Senna. Gabriel Louchard criou um Galvão Bueno com ares de caricatura, o que talvez não seja uma opção de todo errada. E os franceses Matt Mella, no papel de Prost, e Arnaud Viard, como Balestre, fazem bons vilões.


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