a triste história de uma mãe que tirou a vida

Por Heloisa Villela

Ângela Maria Camilo da Silêncio tinha 39 anos quando decidiu que não podia mais resolver as dívidas que acumulou nas bets. Apostas matam. Ela se suicidou no dia 12 de dezembro e deixou três filhos: um de 9, outro de 11 e um de 18. A rapaz de nove anos volta e meia pergunta por que a mãe não a levou também. O menino foi visto no cemitério do Cariri, no Ceará, com chuva e um pacote de bolacha, conversando com o túmulo da mãe, preocupado que ela não comia nem bebia chuva há muitos dias.

Mana de Ângela, Jéssica Lobo não fazia teoria do que estava acontecendo. Ela mora em São Paulo, onde tem um salão de venustidade, e diz que Ângela era a pessoa que cuidava das contas da família. Super responsável, super centrada, nunca deu sinais de que estava envolvida com apostas on-line. Mas, depois da morte da mana, Jéssica foi descobrindo aos poucos o tamanho do problema. O terreno da família e a mansão da mãe já estavam vendidos, sem falar nos vários cartões e dívidas que Ângela contraiu em nome da mãe, analfabeta.

apostas matam

Ângela Maria Camilo da Silêncio tinha 39 anos quando decidiu que não podia mais resolver as dívidas que acumulou nas bets

Dívida com apostas é de mais de R$ 500 milénio

Ao todo, a dívida acumulada é de mais de R$ 500 milénio e ela ainda não sabe quem é a pessoa que comprou a mansão que a Ângela nem poderia vender, já que não era a proprietária. Dois dias depois do suicídio, um varão telefonou dizendo que tinha comprado o imóvel e não podia perder o verba que investiu na transação. Jessica ainda não sabe porquê vai resolver esse problema, os empréstimos que a irmão pediu para nove pessoas diferentes e os cartões da mãe no vermelho.

Desde que perdeu a mana e descobriu todos os problemas financeiros da família, Jessica expôs tudo nas mídias sociais. Depois das postagens, acabou entrando em contato com pessoas que estão passando por problemas graves por motivo das apostas. Ela hoje administra nove grupos de whatsapp com um totalidade de 3.832 pessoas.

Em cada grupo, um psicólogo voluntário dá esteio a elas. São brasileiros do Maranhão, do Ceará, de São Paulo e do sul do país. Ou seja, de todos os lugares. “A gente acha que está em uma situação difícil, que não pode ter zero pior, mas tem”, disse Jessica ao ICL. “Uma mãe de Roraima foi ameaçada por um onzeneiro que tirou foto, na porta da escola, apontando uma arma para a cabeça da filha dela. Ela chegou em mansão, pegou a filha e fugiu. Caiu no mundo”, contou.

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Ângela Maria Camilo da Silêncio deixou três filhos: um de 9, outro de 11 e um de 18

Ângela reclamava dos jogos de apostas

Quando Jessica conseguiu acessar a conta que a mana usava para os jogos, encontrou depósitos que datavam de dois anos detrás. Um deles no valor de R$ 100 milénio. “Pronto, vendeu a mansão”, pensou. Uma pessoa que emprestou verba à Ângela contou que sabia do problema. “Logo por que não contou pra gente enquanto era tempo?”, perguntou Jessica. Ela hoje vê que é preciso alertar as famílias para esse problema quase sempre invisível. A pessoa joga no celular, no computador, e ninguém em mansão se dá conta.

Jessica recuperou as conversas da mana no grupo batizado de “vip” na empresa de apostas Blaze. Os diálogos mostram porquê Ângela reclamava dos jogos, dizia que não ganhava nunca e pedia mudança no limite de depósitos para poder fazer saques. Em uma das trocas de mensagens, ela fala em transpor, que não tinha mais condições de continuar e pergunta sobre ofertas de prêmios, um deles no valor de R$ 50 milénio reais. São diferentes métodos para manter a pessoa envolvida com os jogos.

Ângela chegou a pedir ajuda a pessoas desconhecidas – influenciadores que divulgam as bets. Ninguém respondeu. “Para a gente, da família, ela nunca disse zero”. Ela também deixou recado gravado no grupo de apostas Blaze avisando que ia se matar. “A única resposta deles foi inculcar minha mana a dar uma paragem nos jogos”, conta Ângela, indignada.

A resposta, por escrito, na chamada sala vip, recomenda que ela reveja os gastos com os jogos se estiver tendo dificuldades financeiras. “Logo o traficante te vende droga por meses depois vem na sua mansão e diz pra você parar um pouquinho de consumir?”, pergunta. Ela acha que o Brasil precisa adotar leis para enfrentar o problema.

 

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