Guerra da Sé ou “Revoada dos Galinhas Verdes” completa 90 anos
A chamada “Guerra da Sé”, ou “Revoada dos Galinhas Verdes”, que ocorreu na capital paulista em 7 de outubro de 1934, completa 90 anos nesta segunda-feira (7), Nessa data, um largo precário de integralistas, a versão lugar do fascismo, foi expulso do núcleo da capital. Apesar de pouco sabido, o incidente foi marcante na história do país, definidor dos rumos da política, logo sob a presidência de Getúlio Vargas.
Um dos livros mais importantes do historiador marxista Eric Hobsbawn, intitulado A era dos extremos, trata dos movimentos políticos do século pretérito – estação de experimentos políticos extremos, por todos seus lados. entre os principais, o nazifascismo de Hitler e Mussolini, respectivamente na Alemanha e Itália, e o socialismo de Stálin, na antiga União Soviética.
As tensões entre as linhas ideológicas tão distintas não se resumiram aos limites europeus, mas se reproduziram em outros continentes. No Brasil não foi dissemelhante. A Guerra da Sé uniu grupos de socialistas, anarcossindicalistas, comunistas e democratas em universal, de várias correntes contra murado de 8 milénio pessoas da Ação Integralista Brasileira (AIB), de Plínio Salso.
A guerra terminou com um morto, o jovem líder comunista Décio de Oliveira, além de vários feridos, inclusive entre as forças policiais alinhadas aos integralistas, que eram chamadas de galinhas verdes por culpa da cor do uniforme que usavam em suas marchas e comícios. Postos a percorrer, os integralistas fugiram pelas ruas de São Paulo, deixando um rastro de camisas espalhadas pelas ruas.
Ao relatar o facto, o Jornal do Povo, do humorista Barão de Itararé (ou Apparício Torelli), publicou em sua toga uma manchete que ficaria famosa: “Um integralista não corre: voa”.
Para explicar e contextualizar o movimento da Rossio da Sé, a Sucursal Brasil entrevistou o professor livre-docente da Universidade de Campinas e pesquisador da Universidade Paris-Cité, o sociólogo Fabio Mascaro Querido.
Sucursal Brasil: em sua opinião, qual a relevância do incidente para a política pátrio daquele período pré-ditadura de Vargas?
Fabio Mascaro Querido: a chamada Revoada dos Galinhas Verdes foi, sem incerteza, um dos acontecimentos mais emblemáticos do antifascismo brasílico. Em 7 de outubro de 1934, diversos grupos e correntes políticas diferentes, uma vez que o PCB, o PSB, os anarquistas e, com notável destaque, os trotskistas da Liga Comunista Internacionalista, se uniram no combate a um inimigo generalidade. E o fizeram por meio da ação direta, colocando literalmente para percorrer, em plena Rossio da Sé, os militantes da AIB – os “galinhas verdes” – que ali realizavam um ato.
Na estação, a contramanifestação foi importante para a política pátrio porque, entre outras coisas, contribuiu para o esgotamento da AIB. Ao mostrar a força antifascista dos trabalhadores organizados, o incidente ajudou a desmotivar a tentativa de Vargas de se servir da AIB para açodar o processo de instauração de um regime dominador, o que de vestuário aconteceria a partir de 1937, com o Estado Novo, mas sem a participação dos integralistas.
Sucursal Brasil: o integralismo era uma força política considerável na estação, seguindo os rumos do nazismo na Alemanha e do fascismo italiano. O que o senhor considera ser a principal diferença no padrão extremista de direita no Brasil e de seus equivalentes europeus (se é que existe tal diferença)?
Fabio Mascaro: o integralismo era uma versão “nacionalizada” do fascismo europeu. De certa forma, ele teve o valor de transformar o fascismo numa ideologia efetivamente brasileira. Os integralistas, em privativo Plínio Salso, construíram uma narrativa mais ou menos harmónico do que era (e do que deveria ser) o Brasil. Pode-se manifestar que o integralismo era o fascismo na periferia do capitalismo. Ao seu modo, ele se inseria no oração modernizante que, na estação, era compartilhado por quase todo mundo, inclusive pela esquerda. O fascismo europeu, por sua vez, é, antes, uma frase dos paradoxos da modernidade, do progresso que se transformou em barbárie, não no sentido de uma simples retorno, mas sim no de uma barbárie moderna, que industrializou a própria morte. Em generalidade, todas essas versões do fascismo, no Brasil ou na Europa, se apresentam uma vez que último recurso de um sistema para o qual a democracia liberal se tornou incapaz de prometer sem sobressaltos a sua reprodução.
Sucursal Brasil: é provável estabelecer qualquer paralelo entre a subida do extremismo de direita da primeira metade do século pretérito e do verificado hoje, nestas primeiras décadas do século 21?
Fabio Mascaro: há alguns paralelos, mas também importantes diferenças. O fascismo histórico, vamos manifestar assim, na Itália ou na Alemanha, tinha um projeto de subversão radical do status quo, a término de impor novo poder instituidor. Daí a mobilização (e a violência) permanente, assim uma vez que a identificação de inimigos internos: os judeus, os comunistas, os ciganos etc.
Muito disso está presente na extrema-direita contemporânea, mas com alguns matizes. Em universal, a extrema-direita de hoje (ao menos aquela com pretensão hegemônica) joga nos limites das regras democráticas, forçando ao supremo as suas margens, mas sem, por enquanto, considerar a possibilidade de construção de um novo sistema social. Vale lembrar, em todo caso, que mesmo o nazismo, nos seus primeiros anos, apresentou uma frontaria institucional antes de assumir a sua inclinação golpista e totalitária. Fica uma vez que um aviso – ou um rebate de incêndio, para manifestar uma vez que Walter Benjamin – para a luta contra a extrema-direita atual: nós sabemos uma vez que começa, mas não uma vez que termina.
Sucursal Brasil: qual seria o intensidade de preocupação que os defensores dos regimes democráticos devem ter com a novidade vaga reacionária atual? Ou trata-se de alguma coisa passageiro?
Fabio Mascaro: a preocupação deve ser totalidade, mas sem recair no catastrofismo. A ameaço é real e já se faz sentir em vários países, inclusive no Brasil. Infelizmente, o problema está longe de ser passageiro. A extrema-direita se alimenta de uma crise social que é real e cujas causas são estruturais. Mas a saída que apresenta não exclusivamente não resolve os problemas identificados, uma vez que os radicaliza, situação em face da qual a violência política e social se mostra necessária. Proclamando-se contra o “sistema”, a extrema-direita representa, na verdade, a garantia de que o sistema (o capitalismo) vai continuar funcionando, custe o que custar.
Isso não significa, porém, que a subida da extrema-direita seja inevitável. Trata-se de um fenômeno político que, uma vez que tal, pode ser derrotado, o que depende da capacidade das forças que se dizem democratas de apresentar uma outra saída – estrutural – para a crise civilizatória que vivemos.
Sucursal Brasil: por que a esquerda não consegue mais seduzir boa parcela da população, principalmente os jovens, diferentemente das recentes décadas passadas?
Fabio Mascaro: cá está boa segmento da explicação da subida da extrema-direita: o declínio da capacidade das esquerdas, social e política em universal, de dialogar com setores da sociedade que outrora compunham suas bases sociais. Há vários aspectos que explicam esse processo: subida do neoliberalismo, mudanças no mundo do trabalho, encurtamento do horizonte de expectativas etc. Nesse cenário, as esquerdas – submetidas a pressões de diversas ordens – tenderam a se acomodar numa posição defensiva, muitas vezes focando em questões societais ou identitárias. Questões fundamentais, sem incerteza, mas de quem protagonismo diante das lutas sociais e econômicas mais amplas deixou as esquerdas órfãs de um projeto mútuo de sociedade. É por isso que hoje, paradoxalmente, é a extrema-direita que se apresenta, para muita gente, uma vez que a verdadeira selecção a “tudo o que está aí”.
Sucursal Brasil: o ressurgimento do extremismo reacionário revela um esgotamento do atual padrão político-partidário? Do modo de fazer política?
Fabio Mascaro: sem incerteza. No Brasil e em vários outros países do mundo, as últimas décadas demonstraram um alheamento do sistema político em relação àqueles que, em tese, ele deveria simbolizar. Na Europa e nos Estados Unidos, o vestuário de que, nas últimas duas ou três décadas, os principais partidos (da esquerda e da direita tradicionais) tenham levado a cabo a mesma política econômica (neoliberal) fortaleceu a sensação, em parcelas expressivas da sociedade, inclusive no contextura das classes populares, de que os políticos são todos iguais, de que a política é um engodo, e assim por diante. No Brasil a situação é relativamente único, sobretudo em função dos primeiros governos Lula que, mesmo sem romper com o neoliberalismo, fortaleceu a atenção aos mais pobres. É isso o que explica por que, ao contrário da europeia, por exemplo, a extrema-direita brasileira reivindica, sem complexos, um neoliberalismo puro e duro.
Sucursal Brasil: uma vez que no pretérito, os meios de informação tiveram papel importante, senão fundamental, na subida e desenvolvimento do fascismo. É provável responsabilizar as novas formas de informação, principalmente as redes sociais digitais, pelo ressurgimento do extremismo de direita no mundo?
Fabio Mascaro: a principal responsabilidade dos meios de informação está no modo uma vez que eles “normalizam” questões levantadas pela extrema-direita. Esse mecanismo é amplificado nas chamadas redes sociais contemporâneas, em cuja cacofonia a extrema-direita zero de braçada. Mas, tão importante quanto estudar a responsabilidade dos meios de informação é entender o que faz com que as pessoas se disponham a encampar as ideias apresentadas. Há uma postura ativa aí, que é dissemelhante da mera ignorância. Para combater essas ideias, é preciso, portanto, compreender a insatisfação que a potencializa, a término de apresentar uma selecção credível contra o “salve-se quem puder”, com o qual a extrema-direita joga com o problema, sem resolvê-lo.
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