Cinco servidores são afastados após morte de líder em uma penitenciária de Canoas

Cinco servidores da Penitenciária Estadual de Canoas 3 (Pecan) foram afastados das atividades após a morte de um líder de facção que ocorreu dentro da unidade. 

O anúncio foi realizado pelo governador em exercício, Gabriel Souza, em entrevista coletiva no Palácio Piratini nesta segunda-feira

A decisão ocorreu após a morte do líder de uma facção que aconteceu dentro da unidade. Quem assume o complexo prisional em Canoas é Cledio Muller, que atualmente é diretor adjunto do Departamento de Execução Penal (Desp).

Os afastados

Dois servidores que estavam naquele turno

o chefe de segurança do complexo prisional

o responsável pela segurança da galeria 

o diretor responsável pela Pecan 2, 3 e 4 Fabiano Camara Endres (a Pecan 1 é chefiada por outra pessoa)

“Essa medida não se deve a qualquer tipo de confirmação ou crença do governo de culpabilidade desses servidores. O que queremos é uma apuração isenta e rigorosa, para entender o que aconteceu naquele dia”, afirmou Gabriel.

Um dos servidores afastados nesta segunda-feira, de acordo com o governador em exercício, foi identificado como a pessoa que recebeu uma carta escrita à mão por Nego Jackson e repassada a seu advogado. Ele teria alertado sobre um plano para matá-lo dentro da Pecan.  

“Essa carta teria sido entregue ao advogado do apenado. Não conhecemos o teor da carta, não sabemos quais os procedimentos realizados a partir dela. Sabemos que houve, sim, entrega de documento manuscrito pelo apenado a esse servidor. Essa decisão de afastá-lo foi feita minutos atrás, assim que soubemos dessa entrega. Ainda vamos apurar quais as eventuais providências deveriam ter sido tomadas, se é que não foram tomadas” — explica Souza.

 

Gabriel Souza disse que não sabe como a arma chegou até ao atirador que matou Nego Jackson e que a investigação vai apurar também essa questão.

O Piratini anunciou ainda um reforço da brigada militar em áreas de disputa do tráfico. Foi determinado o reforço de 500 policiais militares do Batalhão de Choque e do Bope no policiamento nas ruas da Capital e da Região Metropolitana, com apoio ainda do Batalhão de Aviação da BM. 

As forças da segurança buscam  impedir que a morte da liderança gere algum reflexo nas ruas, com retaliações entre as facções envolvidas.

Questionado pela reportagem  se o efetivo de agentes penitenciários era suficiente na Pecan 3, o governador em exercício afirmou que havia 54 agentes para 2400 no dia, o que daria 44 presos a cada agente penitenciário, número questionado pelo sindicato da Polícia Penal do RS

Apesar dos bloqueadores, presos driblavam a tecnologia e conseguiam contato com o mundo externo. Uma das principais formas é o uso de roteadores de wi-fi, instalados do lado de fora da prisão, em contêineres.

Em relação aos arredores do Complexo da Pecan, o governador afirmou que convidou o prefeito de Canoas para que seja realizada uma ação envolvendo o Estado e o município. 

Bloqueadores na Pasc em Charqueadas

O governo do estado informou na coletiva que a finalização dos testes bloqueadores de celulares na Pasc em Charqueadas ocorre nesta terça-feira.  Em dezembro deve será a inauguração do complexo com 76 vagas em regime especial para isolar lideranças do tráfico

A morte de Nego Jackson

Jackson Peixoto Rodrigues, 41 anos, o Nego Jackson, foi executado a tiros dentro da unidade prisional no último sábado (23).

Os disparos contra Nego Jackson teriam sido feitos por meio da portinhola de uma cela durante a triagem dos detentos. A polícia ainda busca detalhar exatamente como se deu essa dinâmica.

Dois suspeitos do crime foram presos em flagrante pela execução. A polícia não divulgou os nomes dos investigados, mas se tratam de Rafael Telles da Silva, o Sapo, uma das lideranças de uma facção rival à de Nego Jackson, e Luis Felipe de Jesus Brum. 

Os presos, ainda que integrassem facções rivais, estavam em celas próximas, na área de triagem da penitenciária.

A Polícia Civil já iniciou a investigação das circunstâncias da morte. A suspeita é de que a arma usada no crime por outro preso provavelmente tenha ingressado por meio de um drone na unidade prisional de Canoas, a Pecan TRÊS. A emboscada teria ocorrido durante a triagem dos presos. 

Ao menos sete disparos foram efetuados através de uma portinhola, segundo a polícia. A suspeita é de que a arma teria ingressado no interior do presídio por meio de um drone, conforme a Polícia Penal que ainda investiga essa possibilidade.

Segundo a Susepe, a galeria já passou por revista geral do Grupo de Ações Especiais.  Os possíveis autores já foram transferidos para outra unidade prisional.

“Nego Jackson”, como era conhecido no sistema prisional, era apontado como chefe de uma organização criminosa rival a do apenado que efetuou os disparos

Em 2017, “Nego Jackson” chegou a ser o principal procurado do estado. Ele foi capturado no Paraguai e ficou recolhido em penitenciárias federais do Brasil até ser transferido para o RS, em 2020.

O Complexo Prisional de Canoas foi inaugurado em 2016. Segundo o governo do estado, 2,4 mil pessoas estão presas na unidade.

O preso havia sido transferido da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) para a Pecan como punição, para tentar deixá-lo em uma prisão que não tivesse acesso a redes de 

A Pecan, quando inaugurada, foi incluída no sistema prisional gaúcho com objetivo de ser uma prisão sem a presença de presos faccionados, o que foi alterado pelo governo do Estado nos últimos anos.

Em nota, o sindicato da Polícia Penal repudiou a fala de Gabriel Souza na coletiva de imprensa.

Nota do sindicato da Polícia Penal

CARTA DE REPÚDIO

À Superintendência dos Serviços Penitenciários (SUSEPE), às autoridades competentes e à sociedade,

Nós, abaixo-assinados, manifestamos nosso mais profundo repúdio à gestão atual da SUSEPE/DSEP/DEPLAN/DTP, Órgão central, cuja recente alteração em sua finalidade culminou em um episódio trágico e inaceitável: o assassinato de Jackson, liderança da facção V7, ocorrido dentro de suas instalações neste final de semana.

O Pecan foi concebido como referência nacional em ressocialização e trabalho prisional, oferecendo oportunidades concretas para que os apenados pudessem reconstruir suas vidas de forma digna. O projeto chegou a contar com 140 presos remunerados em parcerias de ação conjunta, com 14 empresas instaladas dentro do complexo, produzindo roupas, capas de chuva, poltronas, móveis planejados, entre outros itens. Estes esforços não apenas geraram resultados concretos, mas provaram que a ressocialização é possível quando há planejamento e investimento adequado.

Entretanto, a chegada de 800 presos faccionados transferidos do Presídio Central colocou todo o projeto em risco. A transformação do complexo em um “castigo PASC” foi acompanhada de decisões arbitrárias e desmandos administrativos que culminaram na troca de direção da unidade prisional por duas vezes consecutivas, em virtude da recusa de seus gestores em acatar ordens desalinhadas com a missão original do Pecan.

Essa mudança brusca no perfil dos apenados gerou consequências devastadoras:

•Um aumento significativo no afastamento de servidores devido ao ambiente de trabalho insustentável.

•Um caso de suicídio de um servidor, evidenciando o impacto emocional dessa transição.

•A deterioração de um ambiente que antes era símbolo de ressocialização, transformado em um verdadeiro inferno para trabalhar.

A morte de Jackson não pode ser tratada como um “fato isolado”. Ela é reflexo da negligência administrativa, do abandono de projetos sociais e da falta de controle sobre o sistema prisional. Não se trata apenas de um homicídio, mas de um colapso que expõe falhas graves de gestão.

Diante disso, questionamos:

•De quem é a responsabilidade pela decisão de transformar o Pecan em abrigo de presos faccionados?

•Por que os projetos de ressocialização foram descontinuados e a direção da unidade foi trocada repetidamente?

•O Complexo Penitenciário de Canoas será lembrado como modelo de ressocialização ou como palco de mais tragédias?

Reafirmamos nosso compromisso com um sistema prisional que respeite os direitos humanos e busque soluções para a violência e o crime através de políticas públicas efetivas. Exigimos respostas claras da SUSEPE, a responsabilização pelos erros cometidos e a retomada do projeto original do Pecan, que já provou ser viável e eficiente.

Por fim, alertamos: se nada for feito, a morte de Jackson será apenas o início de um ciclo de violência que poderia ter sido evitado.

Chega de negligência! Chega de retrocessos! Ressocialização não é privilégio, é direito!

Atenciosamente,

 



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