Com dívida milionária, cursinho do DF fecha às vésperas de vestibular
Às vésperas de um dos principais vestibulares do Distrito Federal, alunos, pais e responsáveis foram surpreendidos na noite desse domingo (20/10) com o comunicado de que o Curso Exatas suspenderia as aulas nas unidades Asa Norte e Taguatinga, sem data para retorno ou ressarcimento das mensalidades.
Era por volta das 20h quando o jantar da família da administradora Andrea Gonzaga, 45, foi interrompido pelas lágrimas da filha de 17 anos. Aos prantos, a jovem mostrou à mãe dois documentos que tinha acabado de receber em um grupo de alunos informando da decisão repentina.
“Nós ficamos arrasados. Nós colocamos toda a nossa expectativa [no curso], pois eles são adolescentes cheios de sonhos e expectativas, e faltando duas semanas para o vestibular da UnB [Universidade de Brasília] eles nos dão uma notícia como essa”, diz Andrea, indignada.
“Como eles podem mandar uma mensagem como essa a um grupo de adolescentes? Eles já estão com a ansiedade a mil e agora vem a notícia que o cursinho faliu. Eles tinham que avisar primeiro aos pais, aos responsáveis, para conversarmos com os filhos. Minha filha está aqui em pânico”, compartilhou Fabiana Santana, 45, cuja filha está no segundo ano do preparatório para o vestibular de medicina.
Veja os comunicados enviados aos alunos do Curso Exatas:
“Boa noite, alunos e responsáveis. Preciso, nesse momento, me manifestar como Coordenação. Eu lutei até o último instante para que tudo se resolvesse da melhor maneira possível. Em cada etapa, me esforcei ao máximo, buscando alternativas e colocando todo o meu empenho e dedicação. Acreditei que, com diálogo e persistência, poderíamos encontrar a melhor solução para todos os envolvidos. Mesmo diante das dificuldades e dos imprevistos, não medi esforços para agir com responsabilidade e coração aberto, sempre priorizando o que seria justo e correto.
Se, por alguma razão, o resultado não foi como esperávamos, quero que fiquem cientes que todos fizeram tudo o que estava ao nosso alcance e até mais, para alcançar o melhor desfecho. Foram inúmeras tentativas com a equipe gestora e todas sem retorno. São 13 anos de trabalho nesta instituição, com dedicação e abnegação sempre lutei por um objetivo, oferecer o melhor de mim e de toda equipe para os alunos. Sou apenas uma funcionária que em uma posição diferente, sempre dei respostas para todas as situações ao meu alcance. Hoje, a decisão não foi minha, mas tive que acatar.
São muitos anos de problemas da gestão que nos levaram a essa situação. Não julgo ninguém, mas minhas possibilidades de resolver tamanho problema se esgotaram. Alguns professores pediram para continuar as aulas de forma on-line e peço para que não saiam do grupo, pois as informações e links irei continuar enviando a cada dia. As aulas estão suspensas até um novo comunicado, caso haja alguma evolução da situação.
Peço perdão a cada um de vocês por essa terrível situação e tenham certeza de que tenho um enorme carinho e respeito por todos! Lutei até onde pude, mas minhas forças e se esgotaram. Continuem estudando, por favor, não desistam, por favor! Deus nos abençoe e protege sempre“.
Indignação de pais e alunos
Com dois filhos matriculados e as mensalidades já quitadas para até o final do ano, a servidora temporária Thais Frota, 37, é mais uma das mães, pais e responsáveis que surpreendidos pelo comunicado, seguem até esta terça-feira (22/10) sem respostas da administração do cursinho.
“Achei totalmente antiprofissional [a forma como o comunicado foi feito]. A ‘carta’ não é uma resposta dos responsáveis pela instituição, é um esclarecimento da própria coordenadora. Em nenhum momento ela trata das questões práticas e óbvias, como ressarcimento das mensalidades”, critica Thais.
Pedro Neto, 23, conta que foi até o curso para tentar resolver a situação e buscar seus itens deixados trancados nos armários, mas, além de não obter respostas concretas, ele se deparou com o curso trancado e sem acesso liberado para buscar seus objetos. “Cheguei lá e o vigilante me informou que precisava de uma permissão para liberar a entrada. É uma vergonha o que estão fazendo”.
De acordo com o contrato assinado pelos alunos, ou seus responsáveis, ao qual o Metrópoles teve acesso, o pré-vestibular promete aos contratantes o ressarcimento integral do valor pago em caso da rescisão do contrato por parte da empresa. Os estudantes que tiveram seus contratos encerrados compartilharam suas indignações por meio de grupos do WhatsApp.
Veja:
Dívida milionária
No entanto, a situação financeira do Curso Exatas, que segundo a apuração tem um débito de mais de R$ 1 milhão em empréstimos e salários atrasados, não parece ter espaço para pagamento de mais uma dívida.
Ao Metrópoles, a coordenadora pedagógica Meire Martins, 57, explica que de outubro de 2023 a janeiro de 2024, os professores e demais funcionários não receberam nenhuma quantia da direção do Curso Exatas. A partir desse atraso, a coordenadora reuniu os colaboradores, que decidiram instaurar uma comissão para assumir a gestão das duas unidades até 2026, conforme fosse quitado o montante de R$ 1,32 milhão da folha de pagamento referente ao período.
A comissão, que começou a atuar em fevereiro deste ano, teve que lidar com uma série de demandas financeiras, incluindo 70% dos salários de funcionários como vigilantes e serviços gerais, e mais de 400 acordos judiciais referentes a contratos feitos em anos anteriores.
Ainda, os professores e colaboradores perceberam a falta de mais de R$ 700 mil, referente às 620 matrículas efetuadas neste ano que foram movidas do caixa da empresa. À reportagem, professores informaram que o dinheiro teria sido movimentada para arcar com os custos de manutenção de um terceiro negócio do dono do cursinho pré-vestibular.
A gota d’água foi em outubro deste ano, quando nenhum dos professores ou funcionários recebeu seja o salário referente àquele mês, seja a parcela dos salários anteriores.
“Nós tentamos manter o curso o máximo que nós conseguimos. Desde setembro foram seis tentativas de um acordo com o dono do Curso Exatas, que só fazia promessas e mais promessas. Mas chegou um ponto em que não dava mais para continuarmos com esse sacrifício”, lamenta Meire.
Em um novo comunicado, a coordenação afirmou que também foi lesada pela empresa.
Veja:
“Infelizmente nenhuma negociação foi realizada partindo da gestão do curso. As aulas estão encerradas e nenhum outro comunicado será feito pelos professores e colaboradores, após esse.
Como coordenação, vou enviar tudo que estiver ao meu alcance, nos grupos, para minimizar esse transtorno. Só irei enviar, a partir de agora, o que estiver relacionado ao pedagógico.
Lembrando que sou mais uma vítima disso tudo.
Ainda essa semana, irei abrir as unidades, por um período, para que todos possam retirar seus pertences pessoais. Irei avisar data e horário. Não temos funcionários para abrir a escola e fazer mais qualquer tipo de atendimento. Eu também não sei até onde irei suportar isso. Minha sugestão é que busquem seus contratos, seus advogados, usem o Procon e se for o caso, sustem os cheques…
O contato do Sr. Renato Landim é (61) 98414-0575. Ele não é o único responsável pelo CNPJ, mas é o único que poderá dar mais informações para os senhores.
Agradeço por tudo até aqui. Peço desculpas por tudo”, finalizou.
Salários atrasados
Professor no Curso Exatas desde 2008, Bruno Mangadeira, 35, encara com pesar a decisão da suspensão das aulas, mas diz que foi uma medida inevitável.”Se a gente começou aquele processo com o aluno, a gente fica com o coração apertado, porque quer terminar de acompanhá-los até a hora da prova. Mas isso já aconteceu antes e chega uma hora que não dá mais”, diz.
“Porque não sou só eu professor que estou com problema financeiro. É minha família, são os outros funcionários. E a gente que começou a participar da comissão, a gente viu o tanto de matrículas, viu o tanto de dinheiro que entrou em caixa e vi que o dono não quis pagar pelo meu trabalho, porque preferiu montar outra empresa”, afirma o professor de física.
Também revoltado com as promessas do dono do Curso Exatas, o professor Matheus Braga, 30, que foi aluno do curso em 2012 e que trabalha no local desde 2014, lembra que até mesmo lotes em outro estado foram prometidos pelo dono para tentar quitar as dívidas com os funcionários.
“Ele ofereceu 24 lotes que não deviam valer mais de R$ 1 mil, o que não paga sequer a dívida de mais de R$ 200 mil que ele tem só comigo. E nós professores ficamos sentidos de verdade por conta dos outros funcionários. Porque nós temos outra renda, trabalhamos em outros lugares. Eles dependem apenas do curso”, contou.
Dois sócios, muitas dívidas
Até 2022, o Curso Exatas era gerido por dois sócios: César Augusto Severo, que morreu por complicações da Covid-19 naquele ano; e Antônio Sanches Filho, também conhecido como Gastão, atualmente o único gestor em atividade.
De acordo com a defesa de César Augusto, os problemas financeiros da empresa começaram em 2020, quando o ex-sócio descobriu supostos desvios de dinheiro feitos por Gastão, que era responsável pela área financeira. César cuidava da parte pedagógica e, ao perceber os desvios, começou a registrar a situação em planilhas, mas logo ficou doente e faleceu em julho de 2020, de Covid-19.
Após a morte de César, sua defesa alega que Gastão nunca permitiu acesso às contas da empresa e que deixou a viúva e a filha sem receber qualquer valor referente à parte de César na sociedade.
Ainda segundo a denúncia, Gastão criou uma nova empresa, operando com um CNPJ diferente, enquanto desviava valores para fazendas e outros empreendimentos pessoais. A defesa finalizou sugerindo que os atuais alunos e responsáveis lesados pelo acusado verifiquem os números de CNPJ em seus contratos para identificar possíveis irregularidades.
O Metrópoles apurou que o nome de Antônio Sanches Filho aparece em pelo menos sete ações da Justiça do Distrito Federal, envolvendo dívidas referentes ao Curso Exatas. Até o momento, os responsáveis pelo curso não se manifestaram oficialmente sobre a suspensão das aulas ou o ressarcimento das mensalidades. Antônio e sua defesa foram procurados pela reportagem, mas não houve uma resposta até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto e será atualizado em manifestações futuras.
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