Jota.pê fala sobre Grammy, carreira e rede de apoio: “Ficha não caiu”

São Paulo — Já se passaram mais de duas semanas desde que a 25ª Edição do Grammy Latino aconteceu, mas para o brasileiro com mais vitórias daquela noite, o paulista Jota.pê, a “ficha ainda não caiu”.

“Eu acho que vai demorar um tempo. É a parada mais incrível que aconteceu na minha vida até agora”, diz o cantor de 31 anos, em entrevista exclusiva ao Metrópoles.

Jota.pê parece ainda ecoar a mesma surpresa com a qual reagiu ao ter seu nome anunciado pela primeira vez, no evento em Miami, nos Estados Unidos, no dia 14 de novembro.

Foi com as mãos no rosto, como quem não consegue conter o próprio espanto, que ele andou em meio a plateia e subiu ao palco do Grammy Latino para ser consagrado vencedor na categoria “Melhor Álbum de Música Popular Brasileira/Música Afro Portuguesa Brasileira”, com o trabalho “Se Meu Peito Fosse Mundo”.

Concorriam com ele na categoria nomes como Elza Soares, Marisa Monte, Djavan e Milton Nascimento e Chitãozinho e Xororó.

“Num primeiro momento eu não acreditei muito, mas como a galera que estava à minha volta gritou muito, eu falei, ‘não, pera, então tá certo, então é isso mesmo’”.

Era isso mesmo. E aquele era só o começo. Dali pra frente Jota.pê ainda subiria ao palco outras duas vezes, para receber os prêmios de “Melhor Álbum de Engenharia de Gravação”, também com “Se Meu Peito Fosse Mundo”, e “Melhor Canção em Língua Portuguesa”, com “Ouro Marrom”.

Tudo aquilo era muito mais que a conquista de um sonho individual para um jovem periférico de Osasco. “Eu sou o resultado de muita gente que acreditou no que eu tô fazendo”, diz Jota.pê.

Nascido em uma família onde a música sempre esteve presente – o pai foi cantor, o avô tocava chorinho, o tio é maestro, e por aí vai -, Jota.pê ainda se lembra quando cogitou pela primeira vez viver de suas canções.

“Eu me lembro de com uns 12 anos, no chuveiro, pensar: ‘caramba, eu podia fazer isso da minha vida’. Só que eu não entendia o que isso significava”.

O banho de água fria veio um tempo depois, quando ele falou da ideia em voz alta e ouviu que não teria dinheiro para pagar as contas.

“Aquilo me assustou um pouco, então, ao mesmo tempo que eu tinha as bandas, que eu tocava nos barzinhos, eu tentava fazer outra coisa em paralelo”.

Foram várias tentativas. Jota.pê trabalhou em uma multinacional de informática, trabalhou com design digital, trabalhou como professor de computação gráfica. Fez curso técnico em TI e deixou duas faculdades pela metade. “Tentei achar outra coisa que eu gostasse tanto quanto música e não achei. Pelo contrário, eu odiava todas essas coisas”, diz, rindo.

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Além do projeto solo, ele tem uma dupla chamada ÀVUÀ

Jota.Pê
Jota.Pê em show
Jota.Pê nasceu em Osasco, na região metropolitana de São Paulo
Cantor Jota.Pê participou do The Voice e teve Lulu Santos como técnico
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Cantor Jota.Pê venceu em três categorias no Grammy Latino

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Além do projeto solo, ele tem uma dupla chamada ÀVUÀ

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Jota.Pê em show

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Jota.Pê nasceu em Osasco, na região metropolitana de São Paulo

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Cantor Jota.Pê participou do The Voice e teve Lulu Santos como técnico

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Jota.Pê teve 3 indicações ao Grammy Latino

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Há nove anos, em 2015, ele decidiu embarcar de vez no mundo da música quando lançou seu primeiro disco, “Crônicas de um sonhador”. O começo foi amargo. Na carreira como artista Jota.pê cantou em barzinhos vazios, ficou “lascado de grana” e pensou em desistir. “Mas sempre acontecia alguma coisa que me mantinha fazendo música”.

Foi assim quando ele foi chamado para o The Voice, reality show que era exibido na TV Globo, e conquistou uma vaga no time de Lulu Santos. Outras vezes foram as mensagens de fãs, que comentavam nos vídeos falando sobre a importância de suas canções, que fizeram com que ele seguisse adiante.

“Quando o dinheiro apertava, de ‘caramba, não tenho dinheiro pra gravar’, aparecia alguém, ‘não, isso é legal, pô, grava aqui no meu estúdio, você não pode parar, não’”.

De incentivo em incentivo, Jota.pê foi se empoderando de seu lugar como cantor. “Acho que foi a junção de tudo isso que me manteve”.

Entre o primeiro trabalho e o premiado “Se Meu Peito Fosse o Mundo”, Jota.pê amadureceu como artista. Deixou alguns medos para trás, mergulhou em referências de dentro e de fora do país, estudou mais, assistiu a mais shows.

O resultado é percebido em cada verso e arranjo de músicas como a também premiada “Ouro Marrom”, que fala de racismo e esperança, e “Feito a Maré”, em parceria com Gilsons. É também perceptível no trabalho com o duo Àvuà, que tem ao lado da cantora e amiga Bruna Black.

Na música Jota.pê aprendeu a pôr para fora sentimentos dos mais diversos. A resposta do público, envolvido com letras, por vezes o emociona. “Eu amo fazer música, é meu trabalho. Mas é muito especial saber que isso de fato tem importância no dia a dia de outras pessoas”.

Longe de romantizar os perrengues que teve como artista independente, o cantor critica a falta de valorização que expulsa tantos talentos do ramo.

“Na maior parte das profissões se você estuda muito, se você tem, sei lá, os diplomas tais, enfim, você consegue definir um valor para aquele serviço. Na música, eu conheço gente que toca mais do que eu, que estudou mais do que eu, que é formado em um monte de coisa, e isso não define absolutamente nada sobre o valor que ele vai receber”.

Jota.pê defende que exista um piso salarial para dar melhores condições de trabalho aos músicos do país. “Eu realmente não acho justo que alguém que passa a vida inteira estudando, que manja um monte de coisa de teoria musical que eu não sei, não vai saber quanto vai receber por um trabalho. Às vezes ter, sei lá, R$ 300 para tocar em um boteco. […] Não estou nem falando de um teto, mas um piso”.

O cantor diz que a insegurança é o maior medo de quem trabalha com cultura, inclusive ele, mesmo depois do Grammy.

“Eu lembro de ter recebido o primeiro prêmio, sentado, e falado assim: ‘Beleza, vou conseguir um cachê um pouquinho mais legal e já vou ter que pensar na próxima coisa’. É uma baita conquista, mas acho que eu não consegui absorver porque eu ainda vejo tudo como um passo de cada vez”.

Daqui pra frente, Jota.pê diz que ainda “não faz ideia do que vai ser”. “Eu estou preocupado em lançar meu próximo disco, em gravar coisas, eu estou focado na música. Sobre o resto, se vou ser mainstream, se eu não vou ser, se vai aumentar o seguidor ou não vai aumentar,  não estou focado”.



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