O pretérito brasílio do pai de Kamala Harris
- Author, Alessandra Corrêa
- Role, De Washington para a BBC News Brasil
O economista Donald Jasper Harris já tinha uma curso internacional respeitada quando chegou ao Brasil em 1990.
Nascido na Jamaica e naturalizado americano, Harris era professor da renomada Universidade Stanford, na Califórnia, e tinha entre suas publicações o livro Capital Accumulation and Income Distribution (“Concentração de Capital e Distribuição de Renda”, em tradução livre), de 1978.
A viagem ao Brasil fazia segmento de uma bolsa do programa Fulbright e incluía a participação em seminários e conferências em universidades brasileiras. Ao longo daquela dezena, ele passaria várias temporadas no país, e ainda é lembrado por alunos e colegas com quem conviveu.
“Ele sempre passou a sensação de ser pessoa muito receptiva com os alunos”, diz à BBC News Brasil um dos ex-estudantes, Jorge Thompson Araujo, que era mestrando em Economia quando fez um curso ministrado por Harris em 1990, na Universidade de Brasília (UnB).
O logo estudante conviveu com Harris na sala de lição e em alguns eventos sociais em Brasília, dos quais contemporâneos lembram que ele frequentava bares e restaurantes perto do campus, na Asa Setentrião, e participava de churrascos com os colegas.
“Ele era introvertido, mas simpático”, diz Araujo, que hoje é consultor do Banco Mundial, em Washington, e pesquisador colaborador sênior da UnB.
Neste mês, a trajetória profissional do economista ganhou atenção nos Estados Unidos, depois que seu nome foi mencionado no debate presidencial. Ele é pai da vice-presidente americana, Kamala Harris, candidata democrata à Moradia Branca.
Ao responder uma pergunta no debate de 10 de setembro, o ex-presidente Donald Trump, candidato republicano, citou o economista.
“Todo mundo sabe que ela é marxista. Seu pai é um professor marxista de economia. E ele a ensinou muito”, disse o republicano.
Kamala Harris, que sempre deixou simples que apoia o capitalismo, não respondeu à provocação, nem citou o pai durante o debate. Mas o incidente renovou a curiosidade sobre o trabalho de Donald Harris.
Interesse pelo Brasil
O interesse do economista pelo Brasil vem de desde, pelo menos, a dezena de 1960.
Em 1966, ele assinou uma resenha sobre o livro Diagnosis of the Brazilian Crisis, título da edição em inglês de Dialética do Desenvolvimento, do economista brasílio Celso Furtado.
“É uma imposto refrescante à literatura sobre subdesenvolvimento”, avaliou Harris, afirmando que representava “uma tentativa séria de um economista latino-americano de mourejar com os problemas da região por meio do desenvolvimento crítico e emprego de estruturas analíticas existentes.”
Em 1974, ele publicou o cláusula Um Post Mortem à Parábola Neoclássica na revista Pesquisa e Planejamento Econômico (PPE), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Araujo lembra que seu orientador de mestrado, Joanílio Teixeira, foi quem organizou a ida de Harris a Brasília.
Em 2021, em entrevista ao site da UnB, Teixeira, que atualmente é professor emérito da universidade, contou que chegou a hospedar Harris em sua lar por alguns meses.
A rotina acadêmica de Harris no Província Federalista incluía pesquisas, trabalho com professores da UnB e um curso fundamentado em seu livro Capital Accumulation and Income Distribution, do qual Araujo participou em 1990.
“Ele condensou o material [do livro e de suas pesquisas] e fez uma série de seminários”, recorda o ex-aluno.
“O trabalho dele é extremamente sério, rigoroso. As aulas eram muito muito dadas, muito claras, mas difíceis. Dava trabalho entender e sugar aquele material, não era zero fácil.”
As aulas eram ministradas em inglês.
“Havia um pouco de barreira linguística. Na quadra, não era tão generalidade [os alunos] serem fluentes em inglês”, lembra Araujo. “Acho que às vezes afetava um pouco a interação dos alunos com ele.”
Harris era reconhecido por suas críticas à teoria econômica neoclássica, escola dominante em Stanford e outras universidades renomadas. Em Brasília, encontrou um envolvente com mais inconstância de linhas de pensamento.
“Ele sempre foi muito heterodoxo em economia. Crítico às teorias econômicas mainstream [dominante]”, ressalta Araujo.
“E Stanford era — e ainda é — um departamento muito mainstream, com presença de economistas heterodoxos muito reduzida.”
Segundo Araujo, economistas de diferentes correntes conviviam na UnB.
“Obviamente, sempre tinha qualquer tipo de discordância, mas aquilo não gerava mal-estar. Acho que esse envolvente deixou Harris mais à vontade, acho que ele se sentia muito lá.”
Nas confraternizações, Araujo diz que Harris “parecia um gentleman”, sempre sorridente e atingível, deixando os interlocutores à vontade. Mesmo assim, sua presença intimidava o logo estudante.
“Eu ficava um pouco sem jeito de falar com ele. Primeiro, pela prestígio que ele tinha na espaço. E segundo, porque na quadra eu não dominava o inglês tão muito”, lembra.
Professor popular
Aos 86 anos de idade, Donald Harris mantém o título de professor emérito da Universidade Stanford, de onde se aposentou em 1998. Ao longo de sua curso, ele ganhou projeção internacional e se destacou uma vez que crítico da economia ortodoxa.
Doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, começou a lecionar em Stanford em 1972, posteriormente ter sido professor na Universidade de Wisconsin, em Madison, na Universidade de Illinois e na Universidade Northwestern (também em Illinois).
Harris era um professor popular em Stanford. Em reportagem de 1976, o The Stanford Daily, jornal publicado pelos estudantes da universidade, o descreveu uma vez que “um estudioso marxista”.
Segundo o jornal, ele teria sofrido resistência inicial a receber “tenure” (a firmeza no serviço concedida a alguns professores universitários nos Estados Unidos) porque era “carismático demais, um flautista mágico que desviava os estudantes da economia neoclássica”.
Os alunos pressionavam por maior inconstância racial e intelectual no corpo docente. Donald Harris acabou se tornando o primeiro professor preto a receber “tenure” no Departamento de Economia de Stanford.
“Ele foi líder no desenvolvimento do novo programa em ‘Abordagens Alternativas à Estudo Econômica’ uma vez que campo de estudo de pós-graduação”, diz sua biografia no site da universidade.
“Durante anos, ministrou o popular curso de graduação ‘Teoria do Desenvolvimento Numulário’.”
Segundo a universidade, Harris explorava “a concepção analítica do processo de concentração de capital e suas implicações para uma teoria de desenvolvimento da economia” e buscava explicar “o caráter intrínseco do desenvolvimento uma vez que um processo de desenvolvimento desigual”.
Enquanto lecionava em Stanford, Harris percorreu dezenas de países, fazendo pesquisas, consultorias, seminários e palestras uma vez que convidado.
Ele prestou consultoria a diversas agências e organizações internacionais, uma vez que a ONU e o Banco Mundial, a governos e fundações privadas.
Na Jamaica, seu país natal, ele atuou diversas vezes uma vez que consultor de política econômica para o governo e teve papel importante na elaboração de uma estratégia de desenvolvimento.
Em 2021, foi agraciado com a Ordem do Valor por sua imposto ao desenvolvimento pátrio.
Segundo sua página no site da universidade, Harris se aposentou para “se destinar de forma mais ativa” ao seu “idoso interesse” no desenvolvimento de políticas públicas para promover o desenvolvimento econômico e a justiça social.
Casório e separação
Quando começou a viajar ao Brasil, o economista já estava separado havia décadas da mãe de Kamala Harris, Shyamala Gopalan, uma pesquisador nascida na Índia, autora de pesquisas influentes sobre o papel dos hormônios no cancro de úbere e que morreu em 2009.
A vice-presidente costuma proferir que foi criada pela mãe, e raramente menciona o pai. Uma exceção foi seu oração na Convenção Vernáculo Democrata, em agosto, quando aceitou oficialmente a nomeação para concorrer à Presidência.
“No parque, minha mãe dizia: ‘Fique por perto’. Mas meu pai dizia, sorrindo: ‘Corra, Kamala, corra. Não tenha pavor. Não deixe que zero a impeça’”, lembrou.
“Desde muito cedo, ele me ensinou a não ter pavor.”
A plateia aplaudiu, mas Donald Harris não estava entre os presentes. A democrata repetiu, uma vez que já havia exposto anteriormente, que seus pais se conheceram quando participavam do movimento pelos Direitos Civis nos anos 1960.
Donald e Shyamala faziam pós-graduação na Universidade da Califórnia, em Berkeley, na quadra um núcleo de ativismo estudantil. Eles integravam um grupo de estudos formado por alunos negros, onde se discutia história africana e a experiência afro-americana.
Apesar de não ser negra, Shyamala, sendo indiana, era considerada nos Estados Unidos uma pessoa de cor, e logo se integrou ao grupo. Donald e Shyamala casaram em 1963, um ano depois de se conhecerem.
Kamala nasceu em 1964, e sua mana, Maya, em 1967. A vice-presidente lembra de escoltar os pais em eventos do movimento por direitos civis quando era moçoilo.
Entretanto, quando ela tinha cinco anos de idade, o casório chegou ao termo.
“Eu sabia que eles se amavam muito, mas parecia que tinham se tornado uma vez que chuva e óleo”, escreveu a democrata em seu livro The Truths We Hold (“As Verdades que defendemos”), de 2019.
Alguns anos depois da separação, em 1972, Shyamala entrou com pedido de divórcio. Em seu livro, Kamala Harris disse que o pai continou sendo segmento de sua vida, e que ela e a mana passavam fins de semana e férias de verão com ele.
“Mas foi minha mãe quem assumiu a responsabilidade pela nossa geração. Ela foi a maior responsável por nos moldar uma vez que as mulheres que nos tornaríamos”, disse.
Em um texto publicado em 2019 no site Jamaica Global Online, Donald Harris disse que a interação com as filhas “chegou a um termo declivoso em 1972”, posteriormente uma guerra pela custódia.
O relacionamento teria sido “disposto dentro de limites arbitrários” impostos pelo tribunal.
“Mesmo assim, persisti, nunca desistindo do meu paixão pelas minhas filhas ou abandonando minhas responsabilidades uma vez que pai”, escreveu o economista, que dedicou seu livro de 1978 a Kamala e Maya.
Ele lembrou de visitas à Jamaica com as filhas ainda pequenas. Além de mostrar o lugar onde cresceu, ele queria que, quando fossem mais velhas, entendessem “as contradições econômicas e sociais num país ‘pobre’, uma vez que a impressionante justaposição de pobreza e riqueza extremas”.
Também escreveu que queria ensinar às filhas “que o firmamento é o limite para o que se pode perceber com esforço e norma” e que é importante “não perder de vista os que ficam para trás devido à negligência ou afronta social e falta de aproximação a recursos ou ‘privilégios’”.
Donald Harris não costuma comentar a trajetória política da filha nem dar entrevistas, e não respondeu aos pedidos da BBC News Brasil de participação nesta reportagem.
Uma das últimas vezes em que se pronunciou publicamente sobre Kamala foi em 2019.
Na quadra, ao responder em uma entrevista se já havia fumado maconha, a logo senadora disse: “Metade da minha família é da Jamaica, você está brincando comigo?”
Seu pai não gostou da galhofa e publicou uma enunciação em um site da Jamaica, afirmando que ele e sua “família jamaicana” gostariam de se “distanciar categoricamente” dos comentários.
Disse ainda que seus ascendentes deveriam estar “se revirando no túmulo ao ver o nome de sua família, sua reputação e sua orgulhosa identidade jamaicana sendo conectados, brincando ou não, com esse estereótipo”.
Araujo acompanha a corrida presidencial americana desde Washington e lamenta ter perdido contato com o ex-professor. Ele conta que, poucos anos depois do encontro em Brasília, quando já estava na Inglaterra fazendo doutorado, usou material de Harris em sua pesquisa.
“Mandamos o trabalho para ele, e ele foi muito positivo, disse que gostou”, conta Araujo. “Ele respondeu com uma missiva, que guardo até hoje.”
Araujo considera a participação de Harris na vida acadêmica em Brasília uma grande imposto ao Departamento de Economia da universidade, mas também acha que as temporadas no Brasil tiveram impacto positivo em Harris.
“Embora não possa fundamentar, penso que a passagem dele pelo Brasil o ajudou a ver a perspectiva do desenvolvimento econômico num país grande. E acho que isso ajudou a enriquecer sua visão sobre o desenvolvimento.”
“Foi uma via de mão dupla”, diz Araujo.
“Não só a UnB se beneficiou da presença dele, mas ele também se beneficiou de trabalhar com economistas brasileiros, estar no Brasil e se expor às questões socioeconômicas do Brasil.”
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