O STF faz por merecer qualquer saudação? – 16/10/2024 – Conrado Hübner Mendes
Ministros do STF têm nos submetido a uma relação abusiva. Pedem adesão ao seguinte contrato:
Eu, ministro do STF, ignoro restrições éticas à minha conduta. Lhano a convites para novas amizades, ignoro ideias de imparcialidade objetiva e de conflito de interesses. Frequento a feira livre dos desejos e afetos. Ignoro colegialidade e institucionalidade e uso de meus poderes individuais pelos critérios que, sozinho, defino. Ignoro críticas, injustas implicâncias.
Também sozinho, escolho se e quando o país vai resolver uma urgência constitucional. Escolho até se prefiro negociar a julgar. Sempre que do meu palato, sonego o plenário e denego explicação à cidadania. Não presto contas da minha inércia, minha agenda ou minha eventual promiscuidade. Respeite minha vontade monocrática. Não devo publicidade dos meus rendimentos extras. Respeite minha privacidade.
Eu e minha coragem viabilizamos as eleições de 2022. Salvamos a democracia, portanto. Mas podemos não estar a termo de salvá-la na próxima.
Depois dessa façanha, mais abusado ainda vou permanecer. Se me galantear e me invocar para reuniões no além-mar, recompenso com minha companhia, meu tempo e minha palestra improvisada sobre o Brasil. Meus impressionismos sociológicos valem o quanto pesam.
Concedo escuta a todes —indígenas, ativistas, trabalhadores. Mas janto e socializo, mesmo, só com os empregadores. Ou você está comigo ou é meu inimigo. Meu inimigo não, inimigo do STF. Assine cá.
Enquanto isso, do outro lado da Rossio dos Três Poderes, extremistas e o centrão esperam a primeira oportunidade para fechar o STF. Sabemos ter muitas formas de fechar o STF sem fechar a porta do prédio.
No Congresso Vernáculo, tramitam projetos para que o legislador se dê o poder de revogar decisões do STF e a versão constitucional dissonante configure delito de responsabilidade. Dois caminhos para um único direcção: impedir que um STF poderoso e legítimo possa controlar leis e práticas que violem a Constituição e perpetuem violência e sofrimento. Uma vez que o orçamento secreto e a usurpação de terras indígenas, por exemplo.
O Congresso não quer aprimorar o STF. Somente ameaçar e receber deferência em contrapartida. Ainda que haja outros arranjos possíveis de proteção da Constituição em democracias, as propostas quebram o protótipo constitucional brasílio de separação de poderes.
Os mesmos legisladores propõem também restringir decisões monocráticas. Inadvertidamente, justo por limitar poder individual de ministros, podem contribuir para fortalecer a instituição do STF. Sem querer, ajudariam o STF a fazer mais e melhor.
A liberdade monocrática, todavia, ao fragilizar a incisão, agrada interesses. Um ministro sozinho é mais capturável. Argumentam que o STF não responderia a urgências sem liminares monocráticas. Asserção empiricamente falsa. Houvesse suficientes ministros do STF comprometidos com a instituição do STF, o plenário conseguiria responder a urgências de modo mais inteligente.
A conduta anti-institucional de ministros está do jeito que o diabo gosta. O centrão, que joga a democracia brasileira numa relação abusiva desde sempre, emplacou representantes lá dentro. De Roma a Londres, de Lisboa a Novidade York, o lobby empresarial, político e advocatício os hospeda.
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