Opinião: e viva a Lusa do nosso Canindé




Com quase 10 mil torcedores enchendo as arquibancadas e uma linda festa, Portuguesa dá “até logo” ao estádio com 2 a 2 diante do Novorizontino pelo Paulistão. Torcedores da Portuguesa se despedem do Canindé antes da reforma
Fim de jogo. Imediatamente uma linda queima de fogos começou a colorir o céu da Zona Norte da capital paulista. Quem ouvia os rojões e olhava para o céu logo entendia. Eram vermelhos, eram verdes, eram da Portuguesa, eram do “até breve” ao Canindé.
Vendo aquele colorido e ouvindo aquele barulho despertei para uma realidade que talvez ainda resistisse a aceitar: a despedida daquele estádio da forma como ele sempre foi para mim. Com seus aromas, sons, cores, sotaques e sua bem peculiar emoção.
+ Veja os lances do empate com o Novorizontino
Desci alguns degraus, para um canto da arquibancada menos povoado, e me sentei. Em silêncio, passei a observar aquele que para mim sempre foi um lar. Olhando para os degraus desnivelados lembrei de, quando criança, achava um desafio subir até o topo.
Então voltei os olhos para o fosso que separa arquibancada e gramado. Quando pequeno, adorava ficar à beira dele, olhando para baixo, numa altura que na época parecia a de um precipício, como se elevasse o gramado para receber a Portuguesa.
+ Leia mais notícias da Portuguesa
Portuguesa se despede do Canindé em empate com Novorizontino
Cristiano Fukuyama / Acervo da Lusa
Quantas e quantas vezes não desci correndo para a beira daquele fosso, ao lado do Sardinha, para perseguir o bandeirinha. Quantos primeiros e segundos tempos não terminei agarrado à grade, em frente ao túnel dos árbitros, perdendo a voz.
Comecei a observar os alambrados, que na minha infância nem existiam. Havia só um parapeito em que integrantes da Leões da Fabulosa subiam para reger a torcida. Era como se ainda visse ali a Rainha, torcedora-símbolo, e ouvisse seu grito de “ladrão”.
Grito que se entrelaçava com o do Kaverna, até hoje posicionado no mesmo lugar do estádio, bradando “aqui é Lusa do Canindé, não abaixa a cabeça para ninguém”. Ali sentado, diante dos fogos, pude não só ouvi-los do fundo da minha mente.
Pude também sentir o cheiro dos tremoços, que patrícios devoravam, com uma velocidade que dependia do placar. Cada grito ou xingamento era pedaço de tremoço voando para todos os lados. E o cheiro da fumaça da churrascaria na Marginal Tietê?
Torcedores da Portuguesa se emocionam em despedida do Canindé
Cristiano Fukuyama / Acervo da Lusa
Tantas moedas atiradas ao ar pelo árbitro e torcidas para que no segundo tempo atacássemos para o gol dos vestiários. Tantos intervalos dando a volta na arquibancada para acompanhar o ataque da Lusa. Zilhões de abraços em amigos pelo caminho.
Sempre com o pai e o avô materno ao lado. Muitas vezes, no apito final, indo encontrar o avô paterno, que ficava na arquibancada atrás do banco de reservas. Aquele cantinho em que só se ouvia “cornetadas” em sotaque português e o ecoar dos radinhos a pilha.
Era com um desses radinhos que meu avô Alberto esbravejava com a Lusa. Ou a “Burra”, como os mais velhos brincavam. Olhando para aquele canto do estádio, fui capaz de ver meu saudoso avô. Como se, só no olhar, lamentasse outro empate no fim.
Sempre foi assim, diria ele. Sempre foi assim, dizia eu. As lágrimas, ao relembrá-lo, vieram. Um choro incontido de quem se despede de casa. De quem, como meu avô, deixou Portugal não porque queria, mas porque precisava. Para viver. Sobreviver.
Canindé em Portuguesa x Novorizontino
Cristiano Fukuyama / Acervo da Lusa
À minha frente passou um menino e disse: “não fica assim, jogou bem, não vamos cair”. Ao que o pai respondeu, com os olhos marejados: “ele não está chorando por causa do empate, filho, é o Canindé”. Balancei a cabeça e bastou. É coisa nossa.
O empate por 2 a 2 contra o Novorizontino, pela segunda rodada do Paulistão, não desceu bem, claro. A Lusa abriu 2 a 0 no primeiro tempo. Levou o primeiro gol no primeiro lance do segundo tempo. Desligada, como se ainda no intervalo estivesse. E o segundo, aos 40 minutos, em uma rara jogada mais incisiva do time do interior.
A vitória estava nas mãos. A bola jogada era merecedora dos três pontos. Mas é futebol. O esporte que não aceita desaforo. Nem o corredor deixado pelo lateral, nem a bola aérea sem reação na zaga, nem os gols inacreditavelmente perdidos no finalzinho.
Sim, a briga seria, é e será contra o rebaixamento. Não ia ser diferente, independente do elenco que a SAF montasse. O que poderia ser diferente era o nível técnico e de desespero nessa briga. Paulistão não é brincadeira, é tiro curto, pontuar é vital. Não dá para deixar uma vitória dessas escapar assim, em casa, em dia de estádio lotado.
Torcedor assina mural em despedida da Portuguesa do Canindé
Cristiano Fukuyama / Acervo da Lusa
Frustração com o resultado a parte, a Lusa foi outra em relação à estreia diante do Palmeiras. E não só pelo adversário. Pela postura. Um time com vibração, pegada, intensidade, marcando alto, ficando com a bola, criando chances.
Não houve sufoco, pressão ou grandes oportunidades ao Novorizontino. Faltou mais efetividade na frente. Faltou mais atenção atrás. A pena é que dava, e merecia, vencer. Pontos que podem fazer falta. É preciso corrigir logo, vencer logo, virar a chave logo. As cinco primeiras rodadas são tortuosas e passar por elas a seco seria catastrófico.
Antes do jogo ninguém consideraria mau resultado. Claro que, pelo contexto, foi. Mas a realidade é que torcedor da Lusa é calejado. Infelizmente, nada é mais a cara do clube do que esse empate no fim. As lágrimas, porém, não foram pelo empate.
Sempre foi assim, diria meu avô. Sempre foi assim, dizia eu ali sozinho. E depois a amigos que por mim passavam para dar um abraço, compartilhar a dor do “até breve” ao Canindé, enxugar as lágrimas derramadas, tentando pensar em um futuro diferente.
Hora de ir embora. De dizer adeus. Adeus a esse Canindé. Coloquei as mãos naquele concreto, fechei os olhos, senti mais uma vez meu avô comigo e disse: “obrigado”. Derramando as últimas lágrimas, falei em silêncio: “vai dar certo, tem que dar”.
Torcedor da Portuguesa com a camisa de Djalma Santos
Cristiano Fukuyama / Acervo da Lusa
Aquele desejo que todo lusitano e toda lusitana carregam. Por nós, o Canindé seria raiz eternamente. Só que a realidade se impõe. Bem como a nossa esperança. Esperança que, em casa, sempre teve som. Sim, som. Para mim, o som da esperança sempre foi o “Portuguesa” que gritamos após cada gol. Seja ele qual for, como for, quando for.
Desci os degraus das arquibancadas ouvindo um grupo de torcedores cantando “Casa Portuguesa”. As nossas quatro paredes caiadas, nosso cheirinho de alecrim, nosso São José de azulejos, nossos sol da primavera. Os braços sempre a nossa espera.
Quando quase todos os 10 mil já haviam ido embora, deixei o estádio do mesmo jeito que entrei pela primeira vez: ao lado do meu pai, ao lado da minha mãe. E quantos não fizeram isso nesse “até breve”? Porque o Canindé é isso. É morada, é lar, é família.
É pertencimento. É identidade. É origem. É raiz. É a materialização da paixão pela Portuguesa. É reencontrar os antepassados, abraçar os nossos amores e lutar para construir o futuro juntos. Obrigado por tudo e por tanto, Canindé. Volte logo. Estaremos esperando para novamente (e sempre) cantar: “e viva a Lusa do nosso Canindé”.
*Luiz Nascimento, 32, é jornalista da rádio CBN, documentarista do Acervo da Bola e escreve sobre a Portuguesa há 15 anos, sendo a maior parte deles no ge. As opiniões aqui contidas não necessariamente refletem as do site


Com quase 10 mil torcedores enchendo as arquibancadas e uma linda festa, Portuguesa dá “até logo” ao estádio com 2 a 2 diante do Novorizontino pelo Paulistão. Torcedores da Portuguesa se despedem do Canindé antes da reforma
Fim de jogo. Imediatamente uma linda queima de fogos começou a colorir o céu da Zona Norte da capital paulista. Quem ouvia os rojões e olhava para o céu logo entendia. Eram vermelhos, eram verdes, eram da Portuguesa, eram do “até breve” ao Canindé.
Vendo aquele colorido e ouvindo aquele barulho despertei para uma realidade que talvez ainda resistisse a aceitar: a despedida daquele estádio da forma como ele sempre foi para mim. Com seus aromas, sons, cores, sotaques e sua bem peculiar emoção.
+ Veja os lances do empate com o Novorizontino
Desci alguns degraus, para um canto da arquibancada menos povoado, e me sentei. Em silêncio, passei a observar aquele que para mim sempre foi um lar. Olhando para os degraus desnivelados lembrei de, quando criança, achava um desafio subir até o topo.
Então voltei os olhos para o fosso que separa arquibancada e gramado. Quando pequeno, adorava ficar à beira dele, olhando para baixo, numa altura que na época parecia a de um precipício, como se elevasse o gramado para receber a Portuguesa.
+ Leia mais notícias da Portuguesa
Portuguesa se despede do Canindé em empate com Novorizontino
Cristiano Fukuyama / Acervo da Lusa
Quantas e quantas vezes não desci correndo para a beira daquele fosso, ao lado do Sardinha, para perseguir o bandeirinha. Quantos primeiros e segundos tempos não terminei agarrado à grade, em frente ao túnel dos árbitros, perdendo a voz.
Comecei a observar os alambrados, que na minha infância nem existiam. Havia só um parapeito em que integrantes da Leões da Fabulosa subiam para reger a torcida. Era como se ainda visse ali a Rainha, torcedora-símbolo, e ouvisse seu grito de “ladrão”.
Grito que se entrelaçava com o do Kaverna, até hoje posicionado no mesmo lugar do estádio, bradando “aqui é Lusa do Canindé, não abaixa a cabeça para ninguém”. Ali sentado, diante dos fogos, pude não só ouvi-los do fundo da minha mente.
Pude também sentir o cheiro dos tremoços, que patrícios devoravam, com uma velocidade que dependia do placar. Cada grito ou xingamento era pedaço de tremoço voando para todos os lados. E o cheiro da fumaça da churrascaria na Marginal Tietê?
Torcedores da Portuguesa se emocionam em despedida do Canindé
Cristiano Fukuyama / Acervo da Lusa
Tantas moedas atiradas ao ar pelo árbitro e torcidas para que no segundo tempo atacássemos para o gol dos vestiários. Tantos intervalos dando a volta na arquibancada para acompanhar o ataque da Lusa. Zilhões de abraços em amigos pelo caminho.
Sempre com o pai e o avô materno ao lado. Muitas vezes, no apito final, indo encontrar o avô paterno, que ficava na arquibancada atrás do banco de reservas. Aquele cantinho em que só se ouvia “cornetadas” em sotaque português e o ecoar dos radinhos a pilha.
Era com um desses radinhos que meu avô Alberto esbravejava com a Lusa. Ou a “Burra”, como os mais velhos brincavam. Olhando para aquele canto do estádio, fui capaz de ver meu saudoso avô. Como se, só no olhar, lamentasse outro empate no fim.
Sempre foi assim, diria ele. Sempre foi assim, dizia eu. As lágrimas, ao relembrá-lo, vieram. Um choro incontido de quem se despede de casa. De quem, como meu avô, deixou Portugal não porque queria, mas porque precisava. Para viver. Sobreviver.
Canindé em Portuguesa x Novorizontino
Cristiano Fukuyama / Acervo da Lusa
À minha frente passou um menino e disse: “não fica assim, jogou bem, não vamos cair”. Ao que o pai respondeu, com os olhos marejados: “ele não está chorando por causa do empate, filho, é o Canindé”. Balancei a cabeça e bastou. É coisa nossa.
O empate por 2 a 2 contra o Novorizontino, pela segunda rodada do Paulistão, não desceu bem, claro. A Lusa abriu 2 a 0 no primeiro tempo. Levou o primeiro gol no primeiro lance do segundo tempo. Desligada, como se ainda no intervalo estivesse. E o segundo, aos 40 minutos, em uma rara jogada mais incisiva do time do interior.
A vitória estava nas mãos. A bola jogada era merecedora dos três pontos. Mas é futebol. O esporte que não aceita desaforo. Nem o corredor deixado pelo lateral, nem a bola aérea sem reação na zaga, nem os gols inacreditavelmente perdidos no finalzinho.
Sim, a briga seria, é e será contra o rebaixamento. Não ia ser diferente, independente do elenco que a SAF montasse. O que poderia ser diferente era o nível técnico e de desespero nessa briga. Paulistão não é brincadeira, é tiro curto, pontuar é vital. Não dá para deixar uma vitória dessas escapar assim, em casa, em dia de estádio lotado.
Torcedor assina mural em despedida da Portuguesa do Canindé
Cristiano Fukuyama / Acervo da Lusa
Frustração com o resultado a parte, a Lusa foi outra em relação à estreia diante do Palmeiras. E não só pelo adversário. Pela postura. Um time com vibração, pegada, intensidade, marcando alto, ficando com a bola, criando chances.
Não houve sufoco, pressão ou grandes oportunidades ao Novorizontino. Faltou mais efetividade na frente. Faltou mais atenção atrás. A pena é que dava, e merecia, vencer. Pontos que podem fazer falta. É preciso corrigir logo, vencer logo, virar a chave logo. As cinco primeiras rodadas são tortuosas e passar por elas a seco seria catastrófico.
Antes do jogo ninguém consideraria mau resultado. Claro que, pelo contexto, foi. Mas a realidade é que torcedor da Lusa é calejado. Infelizmente, nada é mais a cara do clube do que esse empate no fim. As lágrimas, porém, não foram pelo empate.
Sempre foi assim, diria meu avô. Sempre foi assim, dizia eu ali sozinho. E depois a amigos que por mim passavam para dar um abraço, compartilhar a dor do “até breve” ao Canindé, enxugar as lágrimas derramadas, tentando pensar em um futuro diferente.
Hora de ir embora. De dizer adeus. Adeus a esse Canindé. Coloquei as mãos naquele concreto, fechei os olhos, senti mais uma vez meu avô comigo e disse: “obrigado”. Derramando as últimas lágrimas, falei em silêncio: “vai dar certo, tem que dar”.
Torcedor da Portuguesa com a camisa de Djalma Santos
Cristiano Fukuyama / Acervo da Lusa
Aquele desejo que todo lusitano e toda lusitana carregam. Por nós, o Canindé seria raiz eternamente. Só que a realidade se impõe. Bem como a nossa esperança. Esperança que, em casa, sempre teve som. Sim, som. Para mim, o som da esperança sempre foi o “Portuguesa” que gritamos após cada gol. Seja ele qual for, como for, quando for.
Desci os degraus das arquibancadas ouvindo um grupo de torcedores cantando “Casa Portuguesa”. As nossas quatro paredes caiadas, nosso cheirinho de alecrim, nosso São José de azulejos, nossos sol da primavera. Os braços sempre a nossa espera.
Quando quase todos os 10 mil já haviam ido embora, deixei o estádio do mesmo jeito que entrei pela primeira vez: ao lado do meu pai, ao lado da minha mãe. E quantos não fizeram isso nesse “até breve”? Porque o Canindé é isso. É morada, é lar, é família.
É pertencimento. É identidade. É origem. É raiz. É a materialização da paixão pela Portuguesa. É reencontrar os antepassados, abraçar os nossos amores e lutar para construir o futuro juntos. Obrigado por tudo e por tanto, Canindé. Volte logo. Estaremos esperando para novamente (e sempre) cantar: “e viva a Lusa do nosso Canindé”.
*Luiz Nascimento, 32, é jornalista da rádio CBN, documentarista do Acervo da Bola e escreve sobre a Portuguesa há 15 anos, sendo a maior parte deles no ge. As opiniões aqui contidas não necessariamente refletem as do site



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