Ozempic enfraquece diversidade e inclusão na moda – 01/12/2024 – Álvaro Machado Dias

O desfile da Namilia na última semana da moda de Berlim deixou claro que algo está mudando.

A marca celebrada por Kylie Jenner e Rihanna parecia se juntar às concorrentes na homenagem às passarelas da virada do milênio, enfileirando modelos magérrimas em depressões futuristas (estética Y2K), quando 2024 roubou a cena com uma regata em que se lia: “I love Ozempic”. A internet cult, como era de se esperar, veio abaixo.

A jogada mirou o interesse dos intelectuais pela moda que combina crítica com celebração da realidade criticada, o que permite às marcas listá-los nas planilhas de ativação com custo zero, como demonstrado pela Benetton na década de 1990. Até aí, sem novidades.

Acontece que o apetite ao risco no consumo de produtos e serviços de saúde se radicalizou e a escala com que dimensões constitucionais passaram a ser modeladas na faca ou na seringa se tornou outra, introduzindo o novo e sua cadeia de consequências.

No plano econômico, o Goldman Sachs aposta que os efeitos do Ozempic e similares serão grandes a ponto de mexer no ponteiro do PIB americano. Mais de cem áreas serão afetadas, segundo a consultoria Jefferies, da aviação à indústria de próteses.

Os impactos de mentalidade tendem a ser ainda maiores. A semaglutida estimula a troca do guarda-roupa, não só por questões práticas, mas também pela elevação da autoconfiança, que muda o estilo. Isso produz efeitos na ideologia da moda. Um deles é o enfraquecimento da moda inclusiva, sob a premissa de que ser gordo é opcional, o que nem sempre é verdade. Trata-se de mais um golpe no movimento de diversidade e inclusão, que sofreu um duro revés com a vitória de Trump.

A organização da rotina a partir do que se ingere também deve passar por uma reviravolta que promete transcender seu aspecto mais elementar, a redução das porções. A semaglutida abranda a relação entre bocados industrializados e bem-estar, a qual baliza as pausas ao longo do dia e tem imensa relevância econômica.

Pensar o trabalho sem algumas paradas estratégicas para um pão de queijo e um café é menos trivial do que parece, especialmente quando a atratividade das alternativas para ativação de circuitos dopaminérgicos também é molecularmente reduzida, como é o caso.

Nos grandes centros urbanos, muitos exibem o chamado rosto de Ozempic, um perfil marcado por flacidez e palidez típicas de quem perdeu peso de forma rápida e não planejada. Esta é a queixa do momento nas clínicas dermatológicas, seguida pelo bumbum de Ozempic e pela queda súbita de cabelo que ocorre em alguns casos. O perfil serve de contraponto aos rostos otimizados à barra de rolagem, descritos no artigo anterior da coluna.

Já nas clínicas de reprodução assistida, se comenta que “mulheres que batalharam por anos contra a infertilidade estão esperando bebês, após tomar a droga para tratar obesidade ou diabetes” —uma possível decorrência do reestabelecimento da ovulação, afetada indiretamente pelo sobrepeso—, gerando um desfecho que a internet apelidou de #OzempicBabies.

A dimensão transgeracional da medicação exemplifica como novas tecnologias tendem a afetar o status quo por vias pouco óbvias, raciocínio que devemos aplicar às demais novidades do momento.


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