Qual será o futuro dos Brics?
Há pelo menos 15 anos a sigla de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul faz parte do vocabulário de quem cobre e acompanha geopolítica. Desde seu nascimento em 2009, não só os países que compõem o bloco mudaram bastante, mas o mundo ao entorno dos Brics também passou por inúmeras transformações. Quando as cinco potências emergentes e demográficas dos principais continentes se uniram para facilitar o comércio e ampliar as relações bilaterais, muitos viam a possibilidade de países do Sul Global realizarem também um intercâmbio extremamente necessário de conhecimento em relação as suas respectivas experiências como sociedades em rápido crescimento demográfico (com exceção da Rússia) e boas perspectivas econômicas. Naquele momento o mundo ainda cambaleava após a dura crise de 2008 e quando os mercados mais estáveis na Europa, e os próprios Estados Unidos deram sinal de fraqueza, muitos investidores procuraram opções em nações que seriam promissoras nas próximas décadas.
No nascimento dos Brics o mundo vivia um tempo de paz, apesar da crise econômica. Putin era bem recebido em Berlim e Washington, a China estreitava seus laços com quase todas as nações do mundo, a Índia atravessava um boom em sua economia, o Brasil vivia um bom momento com as commodities agrícolas e a África do Sul se estabelecia como uma potência continental. Tudo parecia ir bem e realmente ia. 15 anos adiante na linha do tempo a realidade de cada um dos países fundadores e do mundo como um todo, estaria completamente alterada.
A década de 2010 teve uma série de guerras civis no Oriente Médio, golpes de estado na África e Ásia, além de um aumento considerável do protecionismo de nações tão relevantes para o comércio mundial, como os Estados Unidos e Reino Unido. Não bastando esse cenário de prelúdio para o caos, vemos que as relações entre Ocidente e Oriente pioraram consideravelmente no começo da década em que estamos agora. A guerra comercial travada entre Estados Unidos e China no final do governo Trump deteriorou as relações entre o bloco ocidental e os chineses, fazendo com que se aproximassem cada vez mais dos russos, que por sua vez invadiriam de forma total a Ucrânia em fevereiro de 2022 acabando de vez com a política de boa vizinhança com a Europa e Estados Unidos.
Esse novo contexto geopolítico que vivemos nos últimos dois anos fez com que muitos países e indivíduos que torcem pela queda do Ocidente, apostassem todas as suas fichas nos Brics como a liderança de um novo mundo. Com isso temos em 2023 a primeira grande expansão do bloco que admitiu ao seu grupo de membros o Egito, a Etiópia, o Irã e os Emirados Árabes Unidos, além de ter quase como membro pleno a Arábia Saudita que “namora” a possibilidade de entrar ou não.
Esse acréscimo de países foi comemorado pelos russos e chineses que agora se veêm em uma posição de liderança de uma agremiação cada vez mais importante e espalhada por todos os cantos do planeta. A falta de critérios claros para a admissão de novos países foi motivo de reclamação do Brasil, que mesmo sendo um dos países mais respeitados no grupo pela senioridade que tem dentro dos Brics, vê seus apelos e anseios geopolíticos cada vez mais ignorados por parceiros tão poderosos e ambiciosos.
Se o Brics nasceu de forma natural e buscava o amadurecimento econômico-social de países de perfil parecido, hoje parece ser mais um projeto de fortalecimento geopolítico próprio da Rússia e da China, que apesar de estarem em patamares muito distantes naquilo que representam para o mundo, ainda caminham juntas na contramão do Ocidente. Os russos sabem que sua relevância econômica com as sanções e com uma guerra ainda em curso, foi reduzida a um mero exportador de energia e minérios para o resto do planeta, tendo uma economia de semelhante tamanho à brasileira não teria recursos para alçar voos mais altos, apenas buscando manter-se relevante nas periferias de suas fronteiras. A
China, por outro lado, sabe que em breve se tornará a maior economia do mundo e que com isso terá também a chance de exportar para os demais países o seu modelo político, seu modo de governança e seu estilo de vida. Para isso, ter amigos regionalmente poderosos na América Latina, Oriente Médio e África é fundamental para garantir que a influência Ocidental será memória do passado nessas localidades. A Índia como país mais populoso do mundo e aliado meramente circunstancial dos chineses e dos russos, não vê com bons olhos as ambições de ambos e sabe que daqui mais uma década terá cacife demográfico e econômico para fazer-se ouvida e respeitada perante os demais e sendo também uma das principais pontes com o Ocidente que ainda dialoga muito bem com os indianos. E o Brasil?
Do outro lado do mundo, o nosso país sofre uma crise de identidade. Mesmo não sendo formalmente considerado parte do bloco ocidental, o Brasil é filho do Ocidente em sua essência. A tradição predominantemente judaico-cristã, a nossa constituição cidadã de 1988 aos moldes franceses, nosso sistema político republicano que se inspirou em muitos elementos estadunidenses e nossa própria democracia nos fazem ser ideologicamente muito mais próximos de Londres e Paris do que Pequim e Nova Délhi.
Mesmo com a nossa história e vínculos inegáveis ocidentais, a diplomacia brasileira nasceu da neutralidade e das boas relações com lados antagônicos. Essa postura de ponderação e equilíbrio nos rendeu amigos em todos os cantos do planeta e fez com que as pontes criadas beneficiassem nossa economia e nossos cidadãos, por isso mesmo, buscar navegar por águas mais orientais era também parte do nosso destino.
Todavia, algumas escolhas podem ter consequências no tabuleiro geopolítico e mesmo sendo um membro fundador ainda muito respeitado nos Brics, a tendência é que nesse grupo, no qual mais tem se discutido política do que economia, o Brasil fique cada vez mais relegado a uma posição de coadjuvante, enquanto as potências militares, demográficas e econômicas do bloco decidem a direção para onde ir e quais novos países poderão ou não adentrar essa embarcação. Essa cúpula que se inicia hoje deverá deixar mais perguntas em aberto do que respondidas, sendo a principal delas as questões existências sobre o que de fato os Brics querem ser nas próximas décadas.
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