Quando a palavra do ano acerta na cabeça – 11/12/2024 – Sérgio Rodrigues

A eleição de palavras do ano é uma jovem tradição midiática da língua inglesa que, de algum tempo para cá, o avanço da rede-socialização do mundo colonizou e esvaziou de relevância. O cérebro da coisa, que nunca chegou a ser portentoso, apodreceu.

Isso torna notável a escolha de 2024 do dicionário Oxford: “brain rot” (apodrecimento cerebral) parece a “visita da saúde” que precede a morte de desenganados. Soa como crítica e autocrítica ao registrar que essa expressão do século 19 —cunhada por Henry David Thoreau em seu clássico “Walden”— ganhou este ano fôlego renovado.

Segundo medição do Oxford, a frequência de seu uso cresceu 250%, puxada pelo TikTok. “Brain rot” se refere hoje à transformação em papinha dos miolos de quem (e quem não?) se expõe a doses excessivas de conteúdo digital de baixa qualidade, sobretudo nas redes sociais.

Vale comparar com as escolhas dos últimos dois anos: fúteis e esquecíveis, “rizz” (2023, gíria que quer dizer carisma) e “goblin mode” (2022, literalmente “modo duende”, a disposição de se lixar para expectativas sociais) eram sintomas de apodrecimento cerebral. Agora vem o diagnóstico.

A palavra de 2024 parece mais um soluço do que uma reviravolta. O roteiro em que as redes sociais têm a palavra final na comunicação pública não deve mudar. Escolhas politicamente relevantes do Oxford como as de 2007 (“pegada de carbono”), 2016 (“pós-verdade”) e 2019 (“emergência climática”) prometem ser cada vez mais raras.

Basta ver a palavra eleita este ano por um concorrente de peso, o dicionário digital Dictionary.com: “demure”, adjetivo velho de séculos que significa recatado, discreto. Uma escolha que seria incompreensível se não fosse a história de como a palavra viralizou.

Entre janeiro e agosto, a busca por “demure” no Dictionary.com disparou 1.200%. Motivo: uma influencer de beleza –do TikTok, claro– chamada Jools Lebron adotou-a como bordão ao dar dicas de maquiagem para ambientes de trabalho. Fascinante, não?

Se pensarmos bem, nada muito diferente do que ocorre no Brasil quando um incidente banal entre passageiras de um avião se transforma na questão mais mobilizadora do debate público —como se andassem em falta temas sérios do tipo Congresso chantagista, mercado financeiro reacionário e golpistas em liberdade. Apodrecimento cerebral, pois é.

A tradição de eleger palavras do ano nasceu nos meios linguísticos —uma sociedade de estudos da então Alemanha Ocidental detém o título oficial de lançadora da moda, em 1971—, mas a princípio se destinava a mapear a emergência de vocábulos recém-criados ou de uso até então restrito.

Foi só no início deste século que a palavra do ano passou a ser incorporada, sobretudo na língua inglesa, ao arsenal pop com que a imprensa faz o balanço dos 365 dias anteriores, ao lado de retrospectivas, listas de mortos ilustres, eleições de livros e filmes do ano etc.

Em tal contexto, a novidade da palavra importa menos do que sua capacidade de traduzir um certo espírito do tempo. Quando tudo o que resta é registrar o que viralizou, a mediação dos dicionários tende a se tornar obsoleta.


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