Reforma da Previdência:Gravidez silenciosa de uma mudança – 01/10/2024 – Rômulo Saraiva
Sorrateiramente, o Senado deu um empurrão em mudar nossa remexida Constituição Federalista. Uma silenciosa reforma previdenciária ganha forma. Mas não é qualquer reforma. Esta consegue ao mesmo tempo ser ruim para o segurado e o Instituto Vernáculo do Seguro Social. Desfalcará os cofres do INSS e deixará descontentes (e empobrecidos) aposentados em todo o Brasil, especificamente no contexto dos municípios e dos estados.
A Proposta de Emenda à Constituição n. 66, de 2023, de autoria do senador Jader Barbalho (MDB-PA), iniciou no Congresso Vernáculo com um término específico e logo depois foi completamente metamorfoseada. Ampliar objetivos normativos durante a tramitação legislativa é uma sutil e velha estratégia política de confirmar assuntos indigestos sem tanto jactância. Na Previdência não é dissemelhante; é generalidade.
A pretensão inicial da PEC 66/2023 já não era boa. E conseguiram torná-la pior. É um duro ataque aos cofres do INSS, em prol da “sustentabilidade financeira” dos municípios, aderentes ao Regime Universal de Previdência Social, que historicamente não repassam sua taxa previdenciária. Deve-se pensar no Congresso Vernáculo que a sustentabilidade do INSS vai de vento em popa, a ponte de esfriar sua arrecadação.
Dos 5.568 municípios no Brasil, 61% escolheram o regime universal do INSS para gerir a aposentadoria dos servidores municipais, justamente em razão destes terem receio de que os prefeitos não fossem confiáveis no trato dos recursos financeiros do regime próprio. Mas isso não impediu que os prefeitos dos 3.442 municípios, que escolheram o regime universal, devam em 2022 tapume de R$ 79,6 bilhões em dívidas previdenciárias.
Tais prefeitos —inadimplentes— se mobilizaram politicamente para modificar as regras do jogo. Não na lei. Mas diretamente na Constituição, já que a dívida previdenciária atrapalha, entre outras coisas, o repasse federalista do Fundo de Participação dos Municípios.
Insatisfeitos por estarem devendo ao INSS, o teor da PEC 66/2023 utiliza desde a originalidade até o plágio de teoria para rolar a dívida.
Copiaram a teoria do ex-ministro Paulo Guedes, da gestão Bolsonaro, de fabricar um teto para remunerar rogatório federalista, embora extinto pelo STF. A proposta condiciona que o pagamento de precatórios devidos pelos municípios fiquem limitados a 1% da receita líquida. Esse teto viabiliza que os credores de precatórios municipais tenham a dívida adiada indefinidamente. Ou melhor, por 20 anos. No final deste prazo, se ainda tiver resíduo, o prefeito escolhe se paga à vista ou parcela por mais 5 anos.
Para não remunerar tantos juros pela dilação de 25 anos, outra teoria é substituir os juros da parcela, trocando a Taxa Selic toda vez que o da poupança for menor. Ou seja, quase sempre. A projeção da Selic anual de 2024 é 10,50%, enquanto a poupança é 6,17% ao ano. Só nesta amostragem uma economia de tapume de 40% dos juros.
A cada cinco anos, verificando-se inadimplência dos municípios no pagamento de precatórios, deverá ser promovido novo parcelamento privativo, espécie de parcelamento sem término.
Além de esticar o prazo dos precatórios, a PEC 66/2023 procura mexer no parcelamento das contribuições previdenciárias e demais débitos dos municípios para lucrar o prazo de 20 anos, mas caso a medida seja ratificada por lei municipal, o que não é difícil. Isso inclui a taxa previdenciária devida pelos municípios ao INSS, ainda que esteja sendo cobrada na Justiça.
Bastou alguns dias de tramitação bicameral no Congresso que a proposta virou um Frankenstein, um monstro daqueles que mete pânico até em marmanjos, principalmente os que vão se reformar nos estados e nos municípios.
Secção da PEC Paralela, adormecida e desgarrada depois que a Reforma da Previdência aplicada aos servidores federais e celetistas ganhou vida em 2019, foi ressuscitada no corpo da PEC 66/2023. As mudanças inéditas, e também as esquecidas, se encontram num novo capítulo de encolhimento dos direitos sociais. O minimalismo do Estado Mínimo se agigantando sobre a proteção social.
No eixo do pacote de mudanças da PEC, um substituto obriga que maquinalmente os regimes previdenciários dos servidores públicos estaduais, municipais e do Região Federalista se harmonizem às regras estabelecidas para os servidores da União pela Emenda Constitucional 103/2019. Esta, a intenção da PEC Paralela.
Sem um estudo sério dos impactos econômicos e atuariais, nossos políticos vão remodelando ao seu bel-prazer o sistema previdenciário de milhares de pessoas dos 27 estados, Região Federalista e 5.568 municípios.
A silenciosa reforma previdenciária prevê uma listinha de mudanças: aumento da idade para aposentadoria para mulheres de 55 para 62 anos, e para homens de 60 para 65 anos; pedágio de 100% de tempo de serviço para se reformar; aumento do operação da média de 80% para 100% da média das contribuições, reduzindo os valores dos benefícios para quem ingressou no serviço público depois dezembro de 2003; redução dos valores das pensões e aumento obrigatório dos valores das contribuições previdenciárias.
A PEC 66/2023 foi aprovada em dois turnos no Senado e vai para estudo na Câmara dos Deputados. Depois a promulgação, os municípios terão 1,5 ano para se adequarem às novas regras. Sem muito debate com a sociedade, discretamente vai saindo novidade e grande reforma previdenciária.
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