Sem-teto: o que aconteceu quando cidade começou a acolher (em vez de despejar) acampamentos
- Author, Nadine Yousif
- Role, De Halifax (Canadá) para a BBC News
A capital da província da Nova Escócia, Halifax, regulamentou os acampamentos em tendas, em vez de proibi-los. É uma tentativa de enfrentar o que uma autoridade local chama de “a questão da década”.
Andrew Goodsell mora há quase um ano em uma pequena tenda laranja, em um trecho de gramado no centro de Halifax. Ele tem 38 anos.
No fim de outubro, sentado em um banco do parque ao lado da sua moradia improvisada, ele descreveu sua vida no acampamento onde mora, ao lado de cerca de uma dúzia de outras pessoas sem-teto, como “deprimente”.
“Acordo em um local onde não quero estar”, declarou Goodsell. “Eu preferiria acordar em um lugar onde pudesse tomar um banho e, talvez, cozinhar algo para comer. Mas, ainda assim, preciso me levantar da cama.”
Goodsell vem alternando períodos com e sem moradia há uma década.
Ele chegou a morar em locais temporários ou trabalhar ganhando salário mínimo para pagar o aluguel. Mas os custos da moradia em Halifax dispararam e ele não consegue mais pagar para ter onde morar.
Seu acampamento é um dos nove locais escolhidos pela cidade para que as pessoas sem-teto possam acampar legalmente.
Os locais foram aprovados no último verão do hemisfério norte como uma solução temporária – mas necessária, segundo alguns. Afinal, os abrigos da cidade estão totalmente ocupados.
Este é um completo contraste com outras cidades da América do Norte, onde os policiais retiram à força os acampamentos das pessoas sem-teto. A chamada ação de “varrer as ruas” é criticada como sendo violenta e ineficaz para combater a crise da moradia.
Mas estas medidas passaram a ser cada vez mais populares, com o crescimento do número de pessoas sem-teto desde a pandemia.
A Califórnia, nos Estados Unidos, já desmontou mais de 12 mil acampamentos desde 2021. Cidades americanas como Fresno, na Califórnia, e Grants Pass, em Oregon, aprovaram a proibição completa dos acampamentos em espaços públicos.
Os proponentes das proibições afirmam que os acampamentos geram desordem e que deve haver dinheiro para retirar as pessoas das ruas.
Entre os críticos da política de Halifax, existem até alguns moradores dos acampamentos. Eles defendem que os recursos deveriam ser gastos com moradias de baixo custo.
“O Canadá é um dos países mais belos e ricos do mundo”, segundo Goodsell. “Temos tantas terras, tantos recursos, mas devemos ser um dos países mais gananciosos que existem.”
Embora diversas cidades canadenses, incluindo Halifax, tenham tentado remover acampamentos de pessoas sem-teto no passado, recentes decisões judiciais na Colúmbia Britânica e em Ontário determinaram que as pessoas que não têm onde morar podem acampar na rua, se não houver abrigos internos adequados disponíveis.
Por outro lado, a Corte Suprema dos Estados Unidos decidiu em junho que as cidades podem multar e prender pessoas sem-teto, mesmo se não houver abrigo disponível para elas. A decisão abriu caminho para a proibição total dos acampamentos na Califórnia e em Oregon.
Outra diferença é o maior reconhecimento, no Canadá, de que as técnicas anteriores fracassaram, segundo o professor de direito Stepan Wood, da Universidade da Colúmbia Britânica, estudioso do assunto.
“A abordagem até dois anos atrás era de retirá-los, mas, agora, é inegável que isso não resolve o problema”, declarou ele à BBC.
A base de dados nacional do Canadá estima que existam 235 mil pessoas sem-teto no país. Mas os especialistas defendem que este número é ainda maior.
Mesmo comparando os dados oficiais, o índice de pessoas sem-teto do Canadá já é maior que o dos Estados Unidos e da Inglaterra. E muitas cidades observaram aumento dos sem-teto desde a pandemia.
Halifax é a maior cidade da costa atlântica do Canadá. Sua população é de cerca de 518 mil habitantes.
Em 2018, a cidade tinha apenas 18 pessoas dormindo nas ruas, segundo o diretor de habitação e desabrigados de Halifax, Max Chauvin. Hoje, são mais de 200.
Halifax designou nove locais para acampamentos, mas apenas cinco deles estão em operação. Cada um tem um limite proposto de até 12 tendas, mas a maior parte superou esta capacidade.
A cidade fornece banheiros portáteis aos locais de acampamento e assistentes comunitários fazem visitas semanais para deixar garrafas de água e observar as pessoas, segundo declararam os moradores à BBC.
Às vezes, os assistentes trazem objetos necessários, como casacos ou sacos de dormir mais quentes para o inverno.
Chauvin afirma que os acampamentos designados nasceram da percepção de que a cidade não tem mais opções de curto prazo para enfrentar a crise habitacional.
Halifax espera que o governo da província promova a construção de moradias de baixo custo. A Nova Escócia não constrói novas unidades habitacionais públicas desde 1995.
Enquanto isso, segundo Chauvin, “permanece a questão: para onde as pessoas vão?” Ele acredita que solucionar a crise habitacional será “a questão da década” para Halifax e outras localidades.
“Um dos maiores grupos de sem-teto em crescimento são as pessoas que simplesmente não têm dinheiro suficiente para pagar aluguel.” Este grupo inclui aposentados, estudantes e famílias inteiras, segundo ele. “Isso é uma novidade.”
Chauvin também indica a falta de assistência médica acessível para pessoas com doenças físicas e mentais.
Os defensores dos locais designados para acampamento afirmam que eles evitam a criminalização das pessoas sem-teto e permitem que a cidade concentre seus serviços comunitários em certos locais.
Ainda assim, a política de Halifax é provisória e controversa.
A questão foi um ponto central das eleições municipais de outubro passado. O candidato vencedor prometeu pôr fim à expansão dos acampamentos designados e remover os ilegais.
A vereadora local Trish Purdy tentou remover um local designado no seu distrito, depois que eleitores manifestaram seu temor de que o acampamento pudesse trazer o crime e o uso de drogas para a região. Ela não teve sucesso.
Purdy reconhece que esta é uma questão social e moralmente complexa, mas acredita que permitir que as pessoas vivam em “condições horríveis” não é “empático, nem solidário”.
“Estou certa de que os moradores da região próxima a qualquer um dos acampamentos poderão dizer que não receberam nenhuma manifestação de empatia ou compaixão quando os acampamentos foram colocados na sua calçada”, declarou ela à BBC.
Um dos acampamentos fica em um subúrbio de Halifax chamado Dartmouth, ao lado de um conjunto de unidades habitacionais públicas. Os moradores locais se queixam de encontrar agulhas usadas, da violência e de conflitos com as pessoas acampadas.
“Este costumava ser um local de diversão, onde as crianças podiam sair e jogar bola”, afirma Clarissa, mãe de três filhos que preferiu manter seu sobrenome em sigilo. “Agora, nem isso podemos fazer, porque ficamos com muito medo de pisar em agulhas.”
Clarissa conta que ela e seus vizinhos não foram consultados sobre o acampamento. Ela acredita que o local foi escolhido porque o bairro é de baixa renda.
Mas Ames Mathers, que mora perto de outro acampamento, chama os moradores sem-teto de seus vizinhos.
“É realmente um erro que as pessoas precisem morar em parques como sua única opção de residência”, afirma ela. “Estamos em meio a uma crise habitacional e nossa província e nossa cidade não estão fazendo a sua parte.”
Alguns moradores dos acampamentos afirmam que é bom saber que eles não serão despejados sem aviso prévio. Mas muitos declararam à BBC que não se sentem seguros nos locais designados.
Eles também questionam a disposição do governo de encontrar moradia para eles. E afirmam que recebem mais ajuda dos voluntários do que das autoridades.
Os moradores acampados ressaltam que estão sendo construídos diversos condomínios de arranha-céus em Halifax, mas nenhum deles tem custo acessível.
“Gostaríamos de ser tratados como pessoas”, afirma Samantha Nickerson. Ela mora com seu noivo, Trent Smith, no mesmo acampamento de Goodsell. “Alguns de nós estamos realmente tentando retomar a vida e trabalhar.”
Nickerson e Smith estão na casa dos 30 anos de idade. Eles afirmam terem enfrentado violência de outros moradores e frequentes assédios verbais das pessoas.
“Entendemos que isso é uma monstruosidade, ninguém deseja isso”, declarou Nickerson. “Não queremos ficar aqui. Não queremos ficar nesta situação.”
Em meados de novembro, o casal foi removido para um abrigo temporário, com o auxílio de voluntários.
Andrew Goodsell e alguns outros permanecem no local, que foi recentemente excluído da regulamentação porque estaria no caminho das operações de limpeza da neve. Ele conta que não recebeu nenhuma oferta de abrigo e não quer ser transferido para outro acampamento.
Goodsell preparou sua tenda para o difícil inverno que se aproxima no Canadá, enquanto aguarda notícias.
“No inverno, em uma tenda no lado de fora, qualquer lugar é inseguro”, declarou ele à BBC por telefone. “Eu me preparei da melhor forma possível e acho que tenho mais sorte que a maioria.”
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