Ainda Estou Aqui! Porque ainda existem defensores da ditadura?
Meus filhos tiveram noção da proximidade daquele horror pelas imagens. A recomposição de época foi perfeita. A casa deles ficava na avenida Delfim Moreira, na orla do Leblon. O prédio azul, seu vizinho, permanece lá do mesmo jeito que há 50 anos. Num certo momento, Fernando Gasparian, amigo de Rubens, conta que vai se exilar para esperar passar aquela fase terrível. O filme mostra a Livraria Argumento. Meu filho pergunta se é a mesma que a gente frequenta. Explico que era de propriedade de Fernando e, hoje, é tocada por seus filhos, Marcus e Laura, com quem tenho boa relação. É tudo muito próximo.
Para mim, mais ainda. Entrei na Escola de Engenharia da UFRJ em 1978, ainda no governo Geisel. Atuei no movimento estudantil, o que deixava meu pai em pânico. Eu não achava que corria tanto risco, o regime já estava cedendo, o clamor por democracia era cada vez maior. Para meus filhos, essa época é um passado longínquo, a ponto de não reconhecerem o presidente Médici numa foto típica de repartição pública.
Walter Salles é econômico nas imagens de tortura e violência. Mas o quartel general da tortura é mostrado. E quem viveu a época sabe que se trata do temido quartel da rua Barão de Mesquita, na Tijuca, onde o horror foi praticado com crueldade.
Acompanhamos Eunice na luta por notícias do marido. Sempre tentando evitar demonstrar tristeza para os filhos, não queria vitimizá-los. Professora de literatura, depois de aposentada, se formou em direito e foi em busca do corpo jamais encontrado. Fernanda Torres representa Eunice com maestria, mudando o semblante de mãe feliz, realizada, que se torna pesada, triste, tentando não transparecer a sua dor.
Durante o governo Fernando Henrique, nos anos 1990, Eunice, já idosa, tem seu direito reconhecido. Somente em 2014, o governo admitiu que seu marido foi morto nos porões da ditadura. A viúva teve, enfim, o atestado de óbito do marido. Uma conquista, uma mórbida alegria.
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