Assim como a jabuticaba, golpe com transparência é coisa nossa
Se o golpe militar era o degrau mais alto que Bolsonaro pretendia escalar para não deixar o poder, os demais degraus até que se chegasse lá se tornaram automaticamente previsíveis.
É sobre a naturalização do golpe que fracassou. Antigamente, golpe era coisa que se temia, mas anunciado nunca foi. Caso seus sinais se tornassem explícitos, os conspiradores negavam o golpe.
Havia os pregadores do golpe, mas que não participavam diretamente dos seus preparativos. Davam pitacos, quase sempre desprezados. E ajudavam a criar o clima para o que viria.
A luz do dia fazia mal à tessitura do golpe, por isso ele avançava à noite e em segredo. Os conspiradores temiam falar ao telefone porque ele poderia estar grampeado.
O tempo passou, mas a tentação do golpe, não. Os conspiradores mais recentes não estavam nem aí para a luz do dia, o telefone grampeado, os pregadores que se metiam a dar palpites.
O golpe foi trombeteado em jornais, rádios, canais de televisão e redes sociais por Bolsonaro e seus comparsas. Houve fóruns a respeito, mesas-redondas e até data para que ocorresse.
A dúvida, apenas, é se ele seria um golpe preventivo ou reparador, se aconteceria na noite do primeiro turno, se no intervalo entre o primeiro e o segundo, ou se logo depois do segundo turno.
O golpe preventivo evitaria o anúncio da derrota de Bolsonaro, o reparador para reparar o estrago de uma derrota. Faltou realizar pesquisas para avaliar qual seria a melhor alternativa.
O ponto alto da operação que primou pela transparência foi a reunião ministerial de julho de 2022 convocada por Bolsonaro para falar sobre o golpe: ela foi transmitida pela televisão estatal.
Na ocasião, Bolsonaro admitiu que a derrota se aproximava e que era preciso fazer algo. O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, sugeriu “virar a mesa”.
Paulo Guedes, ministro da Economia, e avalista de Bolsonaro junto à direita que se diz civilizada, participou da reunião. Mas não há registro de que ele tenha falado. Certamente, não discordou.
Um aspecto curioso do golpe frustrado é que antes de viajar aos Estados Unidos para de lá assistir à Festa da Selma, Bolsonaro fez tudo para recuperar as joias apreendidas pela Receita Federal.
Selma é o nome da mulher do almirante Almir Garnier, à época, comandante da Marinha. O casal aderiu ao golpe. O nome dela foi dado à invasão da Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro.
Doadas ao Estado brasileiro por governos estrangeiros, as joias entraram no país dentro de uma mala sem serem declaradas. Algumas chegaram às mãos de Bolsonaro e depois ele as vendeu.
Além de golpista, pois, Bolsonaro é também ladrão. Parte das joias contrabandeadas para o Brasil foi contrabandeada para os Estados Unidos, vendidas por lá e recompradas para esconder o crime.
Ninguém poderá dizer que foi surpreendido pela tentativa de golpe, acusando Bolsonaro de enganação. Ninguém poderá dizer que ele não gostava de dinheiro fácil, basta lembrar da rachadinha.
À jabuticaba, coisa nossa, juntou-se o golpe cantado em prosa, versos e sinais. Não viu quem não quis ou foi cúmplice.
Publicar comentário