China reage com cautela a Trump – 29/11/2024 – Igor Patrick
Donald Trump iniciou a semana reforçando a promessa de campanha. No perfil que mantém no Truth Social, sua própria rede, o presidente eleito disse que vai aplicar tarifas adicionais contra a China, buscando compensação pelos gastos com viciados em fentanil.
A despeito “da quantidade massiva de drogas sendo enviadas aos EUA”, Trump escreveu, autoridades chinesas descumpriram a promessa de executar traficantes responsável pelo comércio. Por este motivo, ele diz que vai aplicar já no primeiro dia na Casa Branca um acréscimo de 10% em tarifas “até que [a China] impeça o fluxo de drogas ilegais”.
A resposta chinesa às ameaças foi comedida. O porta-voz na embaixada em Washington, Liu Pengyu, limitou-se a dizer que o relacionamento econômico entre os dois países era benéfico e pediu racionalidade no tratamento da questão.
A cautela talvez tenha relação com um futuro secretário do governo americano sobre o qual Pequim tem significativa influência e com quem pretende contar para atenuar os rompantes do novo líder: Elon Musk.
O dono do X não dá sinais de que vai se desfazer de propriedades ou cargos de liderança nas empresas que controla, o que o colocará sob a mercê não só de eleitores republicanos, mas também de acionistas. E para não desagradar este segundo grupo, é bom que tente cultivar os laços com a China e evite a retórica belicista dos colegas de gabinete.
Como já falamos por aqui, Musk tem um relacionamento com a elite política chinesa que vai além da usual cordialidade observada por outros executivos de tecnologia. Ele é um ativo promotor da propaganda oficial e volta e meia se deixa fotografar com Xi Jinping e o premiê Li Qiang (de quem é bastante próximo).
Chega a ser quase cômico tratá-lo como moderado, mas a China conta menos com o equilíbrio emocional e mais com a capacidade de Musk de fazer contas. O sucesso dos negócios dele depende diretamente do bom trânsito com os chineses, já que da sua fábrica em Xangai saem os populares Tesla Model 3 que abastecem o maior mercado de carros elétricos do mundo.
Ainda que, sob a tutela da pasta de “eficiência governamental”, não reste a Musk muita oportunidade de interferir em temas geopolíticos da Casa Branca, a serem coordenados por políticos reconhecidamente anti-China como Marco Rubio e Mike Waltz, o empresário tem o ouvido de Trump.
Se Rubio e Waltz representam o establishment partidário, Musk faz parte da cota com acesso direto ao presidente pela sua devoção ao seu projeto político e alguma dose de bajulação que empreendeu. Serão correntes antagônicas sob o comando de um político que acha benéfico estimular a competição interna, mas é razoável esperar uma leve vantagem a favor do empresário.
A China espera ver em Musk um “boi bombeiro”, seu emissário na Casa Branca mediando a conversa entre líderes de ambos os lados. Sua atuação, porém, deve ser pontual. Ele compete diretamente com rivais chineses por mercado em áreas como internet a satélite, fabricação de baterias e energia renovável —e nestas provavelmente não gastará capital político a favor de Pequim.
O patente conflito de interesses deveria ser o suficiente para impedir a nomeação, mas em 2024, duvido que haja viva alma republicana em Washington a considerar isso um impeditivo.
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