Clarice Lispector confessa que mistério é não ter mistério – 26/11/2024 – Mirian Goldenberg

No livro “Clarice Lispector Entrevista”, descobri alguns dos segredos da minha escritora favorita.

“Gosto de pedir entrevista –sou curiosa. E detesto dar entrevistas: elas me deformam. Há pouco tempo, sei lá por que, saí da minha linha e dei uma entrevista. Saiu boa. Mas não é que disseram que eu, enquanto escrevia, caía em transe… Lamento muito, mas sou um pouco mais saudável do que inventam. Meu mistério é não ter mistério. Tudo isso agora para dizer que espero nestas entrevistas não deformar as palavras dos meus entrevistados, palavras estas que são a persona de cada um.”

Além das deliciosas conversas com os 83 entrevistados, o que mais me encantou no livro foi a oportunidade de mergulhar no mundo de Clarice.

Por exemplo, ela preferia fazer anotações à mão. “Fale mais devagar porque essa minha horrível mão queimada pelo incêndio escreve devagar”, pediu a Vinicius de Moraes (Manchete, 12/10/1968). O poeta disse: “Tenho tanta ternura pela sua mão queimada”. E Clarice registrou: “Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho”.

Para o poeta Pablo Neruda (Jornal do Brasil, 12/4/1969), Clarice contou: “Sou uma tímida ousada e é assim que tenho vivido, o que, se me traz dissabores, tem-me trazido também algumas recompensas”.

Clarice confessou que era melancólica para Sarah Kubitschek (Manchete, 19/10/1968): “Como primeira-dama do Brasil que a senhora foi, precisava de um bom temperamento. O meu, para dar um exemplo, é cheio de altos e baixos, misturando um pouco de melancolia a muita atividade”.

Ela perguntou ao psicanalista Hélio Pellegrino (Manchete, 9/7/1969): “Você quereria ter outras vidas? Era o meu sonho ter várias. Numa eu seria só mãe, em outra vida eu só escreveria, em outra eu só amaria”.

Foi uma grande surpresa descobrir que tivemos um entrevistado em comum: Ivo Pitanguy (Manchete, 20/4/1969). Quando ela perguntou: “Qual é o seu hobby?”, o cirurgião plástico, aos 46 anos, respondeu o mesmo que disse para mim quando tinha quase 90 anos: “Meu hobby verdadeiro é o meu trabalho”.

Muitas vezes os papéis se inverteram. A escultora Maria Martins (Manchete, 21/12/1968) perguntou: “E você, Clarice, qual é a sua experiência de vida diplomática, você que é uma mulher inteligente?”

Clarice respondeu: “Não sou inteligente, sou sensível, Maria. E, respondendo à sua pergunta: eu me refugiei em escrever. Você conseguiu esculpir, eu consegui escrever. Qual o nosso mútuo milagre? Acho, eu mesma, que conseguimos devido a uma vocação bastante forte e a uma falta de medo de ser considerada ‘diferente’ no ambiente social diplomático”.

A amiga continuou: “Clarice você é um monstro sagrado, e não há ninguém no Brasil incapaz de te ver tal como és: luminosa e triste”. Clarice reagiu: “Uma das coisas que me deixam infeliz é essa história de monstro sagrado: os outros me temem à toa, e a gente termina se temendo a si própria. A verdade é que algumas pessoas criaram um mito em torno de mim, o que me atrapalha muito: afasta as pessoas e eu fico sozinha. Mas você sabe que sou de trato muito simples, mesmo que a alma seja complexa”.

A escritora tímida ousada, que nunca quis ser um monstro sagrado nem um mito, revelou nas linhas e entrelinhas de Clarice Lispector Entrevista que: “eu sou mais forte do que eu”.


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