Que abusos do STF teriam sido evitados com pacote antiativismo

Se as propostas do pacote antiativismo judicial, recentemente aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, já estivessem valendo nos últimos anos, algumas delas poderiam ter um impacto relevante contra decisões abusivas do Supremo Tribunal Federal (STF), enquanto outras teriam um efeito frágil.

O pacote tem duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) e dois Projetos de Lei (PLs) que visam, entre outras coisas, aumentar a capacidade do Legislativo de conter ilegalidades praticadas pelo Judiciário e ampliar as hipóteses de impeachment.

A iniciativa do Congresso é uma resposta à crescente politização da Corte nos últimos anos. As iniciativas de censura, a intromissão no papel do Legislativo, as ameaças à imunidade parlamentar e a busca de ministros pelo holofote na vida política do país foram decisivas para a aprovação do pacote na CCJ.

Casos como a suspensão do X, a inclusão de parlamentares em inquéritos do ministro Alexandre de Moraes e a decisão do STF sobre a descriminalização da maconha são exemplos de pautas recentes que, caso o pacote estivesse em vigor, poderiam ter terminado de outra forma.

Não é possível, contudo, voltar no tempo: André Uliano, professor de Direito Constitucional, explica que as leis não poderiam retroagir, o que significa que decisões do STF tomadas antes de uma eventual aprovação do pacote antiativismo não poderiam ser alteradas.

Além disso, o controle do Legislativo sobre o Supremo com uma eventual aprovação do pacote viria cheio de limitações estabelecidas pela própria lei.

Por exemplo, a PEC 8/2021, que faz parte do pacote e trata especificamente das decisões monocráticas, não atingiria aquelas liminares de Alexandre de Moraes para impor censura nas redes.

“A PEC 8/2021 se aplica principalmente a decisões monocráticas que suspendam a eficácia de leis ou atos normativos”, explica Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP. “Decisões em inquéritos abertos pelo STF, como os que Alexandre de Moraes conduz, geralmente envolvem medidas cautelares dentro de processos específicos, e não a suspensão de leis ou atos normativos de forma ampla.”

A PEC 28/2024, por outro lado, poderia ter um efeito mais contundente. Ela é o item mais controverso do pacote, ao permitir que o Congresso suspenda qualquer decisão do STF por até quatro anos.

Chiarottino considera que uma lei do tipo seria só “um remendo na Constituição” para um problema mais profundo, que é o excesso de prerrogativas que o Supremo assumiu no Brasil.

“O ideal seria termos uma verdadeira Corte Constitucional, no modelo europeu, destinada exclusivamente a dirimir questões constitucionais, dentro de uma autocontenção, e com membros com mandato por prazo determinado, de oito, dez anos. E indicados de forma colegiada, não mais pelo presidente da República”, diz. “Talvez seja mais difícil de aprovar no Congresso, mas me parece uma solução mais equilibrada e que faz mais sentido”, complementa.

Para Uliano, a PEC 28/2024, apesar das críticas pesadas que vem sofrendo, não tem nada de excêntrica, e suas ideias estão respaldadas por um conceito que ganha força no mundo jurídico internacional: o de weak-form judicial review (revisão judicial fraca, em tradução livre).

Trata-se de um modelo no qual os tribunais têm um papel mais limitado em relação ao Legislativo e ao Executivo, permitindo que leis declaradas inconstitucionais pelos juízes sejam revisadas ou alteradas pelo Parlamento.

“É um sistema que existe hoje na Inglaterra, na Nova Zelândia e mais alguns países. Vários autores têm trabalhado muito com essa ideia. Uma professora da Austrália chamada Rosalind Dixon tem um artigo muito famoso, ‘The Core Case for Weak-Form Judicial Review‘. É um sistema completamente compatível com as democracias constitucionais e muito celebrado por vários acadêmicos. Não haveria nada de bizarro ou de demais em adotar esse sistema”, explica.

Veja alguns abusos recentes do STF que poderiam ter sido evitados com o pacote antiativismo

PEC 28/2024: Permite que o Congresso suspenda decisões do STF por até quatro anos, com o apoio de dois terços dos parlamentares de ambas as casas. A suspensão pode ser revertida após quatro anos, caso nove ministros do STF votem nesse sentido.

Abusos que poderiam ter sido coibidos com a PEC 28/2024:

Qualquer decisão poderia ser revertida, desde que dois terços das duas casas estivessem contra o que um ministro decidiu. A decisão de suspensão do X, por exemplo, teria alguma chance de ser revertida imediatamente pelo Congresso, caso alguns parlamentares do Centrão e da esquerda tivessem interesse em se unir à direita na pauta.

PEC 8/2021: Impede decisões monocráticas de suspender leis ou atos presidenciais, estabelecendo um prazo de seis meses para o colegiado julgar ações de inconstitucionalidade após liminares. A PEC reforça que somente com a maioria absoluta dos tribunais é possível declarar a inconstitucionalidade de leis.

Abusos que poderiam ter sido coibidos:

  • Em maio de 2020, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu monocraticamente a nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal, argumentando possível desvio de finalidade devido à proximidade com a família Bolsonaro.
  • Em dezembro de 2021, o ministro Luís Roberto Barroso, em decisão monocrática, determinou a obrigatoriedade do passaporte da vacina para viajantes entrarem no Brasil, contrariando a posição do governo federal. A decisão foi confirmada pelo plenário posteriormente.
  • Em dezembro de 2021, a ministra Rosa Weber suspendeu trechos de quatro decretos do governo Bolsonaro que flexibilizavam o acesso a armas, alegando inconstitucionalidade.
  • Em 2023, o ministro Ricardo Lewandowski anulou monocraticamente trechos da Lei das Estatais, permitindo que políticos assumissem cargos de direção de empresas estatais, o que favoreceu o PT nas nomeações estratégicas em troca de apoio político no Congresso.
  • Em maio de 2024, Alexandre de Moraes suspendeu monocraticamente a Lei 2.342/22, de Ibirité (MG), que proibia o uso de linguagem neutra nas escolas, alegando que a norma violava princípios constitucionais de liberdade de expressão e ensino.

PL 658/2022 e PL 4.754/2016: O dois projetos preveem novas situações para impeachment de ministros do STF, como usurpar funções do Legislativo ou fazer manifestações públicas de caráter político-ideológico que prejudiquem a imparcialidade e a confiança no tribunal.

Abusos que poderiam ter sido coibidos pelos dois PLs quanto à usurpação de funções do Legislativo:

  • Decisão que descriminalizou o aborto de fetos anencéfalos, criando uma exceção à legislação sem que houvesse mudança na lei pelo Congresso.
  • Julgamento sobre o porte de maconha para consumo pessoal, em que o Supremo já formou maioria pela descriminalização.
  • Criminalização da homofobia: em 2019, o STF decidiu que atos de homofobia e transfobia devem ser tratados como crimes de racismo; em 2021, classificou a injúria racial ou homofóbica como crime inafiançável e imprescritível.
  • Em agosto de 2023, o STF definiu que estados e municípios não podem remover moradores de rua de espaços públicos nem recolher seus pertences. Além disso, atuou como poder Legislativo ao estabelecer um conjunto de medidas a serem adotadas por governos federal, estaduais e municipais relacionadas à população de rua.

Abusos que poderiam ter sido coibidos pelos dois PLs quanto às manifestações públicas:

  • Cármen Lúcia antecipou seu voto sobre a anistia a presos do 8 de janeiro em entrevista à Globo News, afirmando que “não parece ser o caso” de conceder anistia.
  • Gilmar Mendes, em entrevista ao Brasil 247, declarou que a anistia para os réus do 8 de janeiro é “incogitável” e antecipou seu voto sobre Bolsonaro no caso da minuta do decreto, citando “intentos golpistas”.
  • Ricardo Lewandowski participou de um evento do MST onde elogiou o movimento e criticou a “democracia liberal burguesa”.
  • Gilmar Mendes afirmou que o Brasil estava sendo governado por “gente do porão” antes de Lula assumir a Presidência.
  • Em diversas ocasiões, ministros defenderam publicamente a regulação das redes sociais nos moldes do PL 2.630.
  • Cármen Lúcia participou de uma reunião com lideranças femininas de esquerda para apoiar um manifesto pró-aborto.



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