STJD mantém título com Gabriel Casagrande em primeira instância
Por unanimidade, auditores do tribunal decidem manter desclassificações de TMG e Crown na etapa do Velopark. Defesa das equipes vai recorrer ao Pleno do tribunal, a última instância Após o julgamento do caso dos pneus na Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) na tarde desta segunda-feira, Gabriel Casagrande teve o tricampeonato, conquistado no último domingo em Interlagos, mantido, soube o blog Voando Baixo em primeira mão. Por unanimidade – placar de 4 a 0 – os auditores decidiram manter as desclassificações dos pilotos das equipes TMG e Crown na etapa do Velopark, no caso dos pneus de chuva. Ainda cabe recurso, e a defesa dos times já adiantou que vai recorrer ao Pleno do STJD – a última instância. O novo julgamento ainda não tem data marcada. Se os pontos forem devolvidos aos times, o campeão passaria a ser Felipe Baptista, piloto da Crown Racing.
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A decisão seguiu o esperado. Nos bastidores do Autódromo José Carlos Pace, era falado que o mais provável é que houvesse uma pressão para que o resultado de pista do domingo fosse mantido pelo STJD. Foi exatamente o que aconteceu no julgamento na Comissão Disciplinar, que conta com quatro auditores. No julgamento no Pleno do tribunal, serão nove votantes.
VOANDO BAIXO – A polêmica dos pneus da Stock Car
No julgamento original, o mérito da questão sequer chegou a ser avaliado. Como a Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) não convocou representantes das equipes TMG e Crown para participar da inspeção na fábrica da Hankook, na Coreia do Sul, a Comissão Disciplinar do STJD considerou que o processo não respeitou o direito à ampla defesa. Por isso, a decisão foi pela extinção do processo ainda em primeira instância. Entretanto, se julgado procedente no Pleno, o recurso faria com que tudo voltasse à Comissão Disciplinar para que o mérito fosse avaliado, estendendo ainda mais a duração do processo.
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Entenda o caso
Os pneus de chuva da discórdia usados no autódromo do Velopark na classificação da Stock Car
Duda Bairros
7 de setembro de 2024. Debaixo de chuva, a Stock Car realizou a classificação para a etapa do Velopark, em Nova Santa Rita, no Rio Grande do Sul. Desde então, uma enorme polêmica dominou os bastidores da maior categoria do automobilismo brasileiro. O chamado “pneugate” gerou discórdia por quase três meses. Até que, no dia 5 de novembro, as equipes TMG e Crown Racing foram avisadas da desclassificação de seus quatro carros da etapa em questão, a oitava de 2024, por uma suposta infração ao artigo 15.5 do regulamento técnico. Segundo a Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), as equipes teriam usado “pneus de chuva adulterados” na classificação.
Importante: nem CBA e tampouco a Vicar, empresa organizadora da Stock Car, deram publicidade às punições. A confederação informou apenas às equipes envolvidas na polêmica, na última terça-feira. Já a Vicar soltou um comunicado interno endereçado a todos os times da categoria e extremamente sucinto também na última semana. Com exclusividade, o Voando Baixo teve acesso aos dois documentos e ao laudo enviado no dia 31 de outubro pela Hankook, fornecedora oficial de pneus da categoria. Importante: os pneus de chuva dos carros de Felipe Massa, Rafael Suzuki, Felipe Baptista e Enzo Elias foram enviados à Coreia do Sul para análise na fábrica da empresa.
Li com muito cuidado o regulamento técnico da Stock Car, principalmente o artigo 15.5, além dos documentos recebidos elaborados por CBA, Hankook e Vicar. Escutei com atenção os vários lados envolvidos na polêmica do “pneugate”. E trarei aqui alguns pontos importantes – esses pontos me fazem crer que essa história tem enorme potencial para se arrastar até o fim da temporada 2024 – com risco, inclusive, de podermos ter mudanças de resultados na tabela de pilotos após a decisão, marcada para 14 e 15 de dezembro no Autódromo José Carlos Pace, em Interlagos.
Carro de Rafael Suzuki na classificação da etapa da discórdia, no Velopark
Duda Bairros
O que diz o artigo 15.5 do regulamento?
Texto dos artigos 15.4 e 15.5 do regulamento técnico da Stock Car
Reprodução
O artigo 15.5 do regulamento técnico reza sobre o “uso de aditivos em pneus”. Ele é bem específico sobre o tema, inclusive, citando a proibição expressa do “uso de substâncias”:
“Proibido o uso de qualquer tipo de substância que altere as características físicas, químicas e/ou mecânicas dos pneus. Proibido o uso de válvulas de controle de pressão de pneus. A critério dos Comissários quaisquer pneus novos, lacrados na etapa, poderão ser mantidos em parque fechado a qualquer momento do evento.”
As equipes TMG e Crown foram punidas, de acordo com o documento emitido pela CBA, por uma suposta infração a esse artigo. Nos documentos enviados aos times, um para cada carro, o item 5 diz:
“O artigo 15.5 do Regulamento Técnico da Categoria é expresso ao proibir a adoção de procedimentos que importem na alteração de características físicas, químicas e/ou mecânicas destes.”
Só que o texto original fala em proibição do “uso de substâncias”. Entretanto, o comunicado que anuncia a punição aos carros fala sobre “adoção de procedimentos”. O problema é que o regulamento não fala em procedimentos; ele é bem claro, inclusive, ao proibir apenas o uso de substâncias. Claramente, estamos diante de uma zona cinzenta do regulamento técnico.
Carro de Felipe Baptista foi um dos desclassificados da etapa do Velopark
Carsten Horst
O que fizeram as equipes TMG e Crown?
Realmente, as equipes TMG e Crown fizeram experimentos com os pneus de chuva da Hankook, visando a tentativa de um ganho de aderência e de desempenho. A questão é que nenhum procedimento adotado pelas equipes envolveu o uso de substâncias – aditivos químicos. Como já vimos, o regulamento proíbe expressamente isso. Inclusive, o relatório da empresa sul-coreana não cita, em momento algum, uma possível confirmação do uso de aditivos. A Hankook apenas cita alterações nas propriedades dos compostos, como dureza e características viscoelásticas, além da composição química do pneu. Mas isso não significa o uso de substâncias. O comunicado da CBA, inclusive, é claro nesse sentido ao citar na decisão a palavra “procedimentos”.
Quais foram os experimentos, então? As equipes, que trabalham em uma mesma sede, na cidade de Americana, interior de São Paulo, contrataram um engenheiro especializado em borracha. Ele teve a ideia de aquecer os pneus de chuva em um forno industrial, para tentar ter algum ganho de aderência e de elasticidade. Foram feitos vários testes e chegou-se a uma temperatura e ao tempo ideal de “cozimento” para isso. Lembram da zona cinzenta? O calor é uma forma de energia térmica, não uma substância. De acordo com o texto do artigo 15.5 do regulamento técnico, não há proibição ao procedimento idealizado por TMG e Crown.
Sobre aquecimento de pneus, o regulamento técnico da Stock Car traz mais uma pegadinha. E justamente no artigo anterior, o 15.4, que fala justamente sobre “aquecimento dos pneus”. Só que ele é bem claro nas situações em que esse procedimento é proibido. Vamos ao texto:
“Proibido o uso de qualquer equipamento que resulte no aquecimento artificial de pneus durante todo transcorrer do evento, excetuando quando previsto no regulamento particular da prova. Se autorizado o equipamento será padrão, disponibilizado pelo fornecedor oficial e com uso restrito somente aos pneus para condição de pista seca (“slicks”).”
Viram a pegadinha? O regulamento técnico proíbe apenas aquecer os pneus durante um evento – que significa uma etapa do campeonato, de acordo com a nomenclatura adotada nas regras. Não fala do período entre as corridas ou entre as temporadas.
Outro ponto importante: TMG e Crown entregaram à CBA todo o estudo feito com o aquecimento dos pneus no forno industrial. Além disso, voluntariamente, deixaram todos os pneus slicks (para pista seca) a disposição da confederação para que uma inspeção fosse feita. Ela foi realizada na quinta-feira passada, mas o resultado ainda não foi divulgado às equipes pela CBA. Por tudo isso, as equipes vão recorrer da desclassificação da etapa do Velopark, que impacta diretamente nas chances de título dos times e de seus pilotos.
Trecho do comunicado da CBA com a desclassificação a Felipe Massa no Velopark
Reprodução
O que é feito no exterior pela FIA?
A Fórmula 1, categoria máxima do automobilismo internacional, é a campeã em pesquisas de zonas cinzentas nos regulamentos técnico e esportivo. É a essência do esporte a motor competitivo. Só neste ano tivemos dois casos: o “DRS duplo” da McLaren, que ficou explícito no GP do Azerbaijão, em Baku, e o mecanismo de regulagem de altura da RBR, exposto durante o GP da Cidade do México. E o que a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) faz nesses casos? Quando ela considera que é algo que fere o espírito da regra, ela bane a novidade posteriormente após mudar o texto da regra. Antes da mudança do regulamento, explorar essa zona cinzenta específica era algo legal. Logo, não há como punir em corridas anteriores.
Posições de CBA e Vicar sobre as punições
CBA e Vicar ainda não deram publicidade às desclassificações, apenas fizeram comunicações internas às equipes. A única posição oficial – e pública – até agora sobre o caso veio das equipes punidas. TMG e Crown publicaram uma nota conjunta na semana passada em suas mídias sociais reiterando que já estão recorrendo das desclassificações no STJD do automobilismo. E é aí que mora o risco para o campeonato: como são duas instâncias, o julgamento pode terminar após a data marcada para a decisão da temporada 2024, marcada para Interlagos.
Comunicado emitido pelas equipes TMG e Crown após a desclassificação no Velopark
Reprodução
Já a CBA se manifestou apenas nos documentos enviados às equipes com o anúncio das punições. No documento em que a Vicar, organizadora da categoria, mandou para os times, um trecho se destaca:
“Reiteramos que a integridade das competições e a segurança de todos os envolvidos são prioridades absolutas para o campeonato. Contamos com a colaboração de todas as equipes para o cumprimento rigoroso do regulamento técnico e desportivo.”
Trecho do comunicado da Vicar endereçado às equipes da Stock Car
Reprodução
Sobre a polêmica, a Vicar enviou a seguinte nota ao Voando Baixo:
“A Vicar reafirma seu compromisso com a integridade do esporte e respeita a autonomia da CBA em suas deliberações técnicas e disciplinares. Seguimos confiantes no trabalho desenvolvido por todas as partes envolvidas – autoridades, equipes, pilotos e patrocinadores – para garantir a excelência e a credibilidade da competição.”
E a nota da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA):
“A CBA entende que cumpriu seu papel ao identificar a irregularidade, enviar para análise e desclassificar os envolvidos. Acredita, também, que o caso não acabou, pois os desclassificados podem recorrer. Então, sob o ponto de vista prático, é um caso de desclassificação como tantos outros que acontecem durante o ano.”
Felipe Massa, um dos pilotos da TMG, na corrida sprint da etapa do Velopark, já com pista seca
Rodrigo Guimarães
Opinião do Voando Baixo
Campeonato 2024 da Stock Car pode terminar com uma enorme mancha após essa polêmica
Duda Bairros
Independente do mérito da desclassificação e dos recursos que estão sendo apresentados para tentar uma mudança, toda essa confusão é muito nociva para o automobilismo, para o fã de automobilismo e também para a Stock Car como categoria. Já temos problemas de mudanças de resultados em quase todas as etapas por causa dos julgamentos dos comissários esportivos da CBA. Uma bomba como essas pode jogar a imagem da categoria, construída ao longo de tantos e tantos anos, na lixeira. Fora que pode afugentar patrocinadores importantes para as equipes e também para a organização da Stock Car.
Agora, entrando no mérito em si da punição, é um enorme castigo para a CBA. Há anos muita gente fala (eu sou um dos que faz mais barulho quanto a isso) que os regulamentos das categorias regidas pela entidade são extremamente mal-escritos, às vezes dando brechas, às vezes criando zonas cinzentas e interpretações inversas à intenção inicial. Enquanto o automobilismo não profissionalizar esses processos aqui no Brasil, seguiremos imersos nesta bagunça. Uma pena para todo mundo que depende do esporte para trabalhar, viver e, no caso do fã, se divertir.
Que o STJD faça justiça nesse caso, seja qual decisão for. E que a decisão seja muito rápida, para não terminar de afetar a imagem de um dos campeonatos mais equilibrados nos últimos anos da Stock Car. Ainda assim, vejo tudo isso com extremo lamento.
Com pista seca, Enzo Elias acelera na corrida sprint da etapa do Velopark da Stock Car
Rafael Catelan
Perfil Rafael Lopes
Editoria de Arte/GloboEsporte.com
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