Uma Reflexão sobre a Eleição de Trump: A Busca pela Hegemonia

Uma Reflexão sobre a Eleição de Trump: A Busca pela Hegemonia Americana

Por Fernando Boscardin

Após décadas frequentando os Estados Unidos e residindo permanentemente aqui há seis anos, venho me dedicando ao estudo do Direito e, este ano, recebi a cidadania americana. Embora minha experiência ainda seja modesta, é significativa, especialmente porque consegui me integrar no sistema. Com base nessa vivência, proponho uma reflexão sobre o motivo pelo qual, apesar de tudo, os americanos elegeram Donald Trump.

Em uma palavra: hegemonia.

Não, não foi a inflação, embora eu tenha sentido seus efeitos. Esse aspecto foi secundário, já que a inflação já havia se manifestado durante o governo Trump. Também não foi a falta de empregos — o país experimenta um verdadeiro boom econômico, com a menor taxa de desemprego da sua história.

Acredito que a percepção entre os eleitores é clara, embora não elaborada mentalmente no sentido de compreender que se motivaram por isso: os Estados Unidos perderam sua hegemonia mundial. Anteriormente, tudo passava por aqui; a cultura, a economia, as inovações tecnológicas e o poder político dependiam fortemente do país. No entanto, há anos essa dinâmica começou a mudar, e uma liderança frágil, exacerbada por características cognitivas do presidente Biden, contribuiu para essa sensação de deslize. Claro que há componentes menos nobres como racismo e xenofobia como motivação de muitos que culpam a imigração como a origem de seus males culturais e perda dos “verdadeiros valores” americanos. Miscigenação incomoda.

Trump prometeu resgatar esse protagonismo com seus slogans “America First” e “Make America Great Again”. Ele propôs um retorno à influência decisiva que os EUA tinham no cenário global, do jeito Trump, mas a ideia final é essa.

O americano é, em essência, um ser que acredita em seu papel de líder global. Existe uma forte crença cultural de que os EUA devem e podem liderar, fazendo acontecer, posicionando-se como o centro de tudo. Essa visão, no entanto, gera distorções, que vão desde o desconhecimento de fatos históricos básicos – e de geografia básica porque não lhes interessa muito o mundo fora daqui para o cidadão médio – até uma postura de autoconfiança que frequentemente beira a arrogância. E às vezes é mesmo.

Insuflados por essa ideia de recuperar sua influência, os eleitores encontraram “inimigos” a quem culpam pela desintegração dos valores nacionais e pela perda de protagonismo, como os imigrantes e a chamada cultura “woke”.

Trump, de certa forma, promete um retorno aos anos 1950 – uma época pós-guerra em que prevalecia a figura do homem branco, da família tradicional e dos valores que caracterizavam a cultura americana daquela época, incorporando até mesmo elementos do macartismo. Esse ideal ignora a pluralidade e a liberdade que, apesar de suas complexidades, são características reconhecidas da sociedade americana contemporânea.

Essa análise, baseada em conversas com muitos americanos com quem convivo, revela que muitos podem não admitir abertamente, mas a percepção de declínio do “Império Americano” – semelhante ao que ocorreu com Roma – é uma realidade com a qual lidam. A crença é de que Trump poderia ser a figura capaz de corrigir o que muitos entendem como um desvio do caminho correto. E como já demonstrou a história, os americanos frequentemente não hesitam em adotar medidas drásticas para se impor — às vezes disfarçando seus métodos, mas com Trump, a transparência de suas intenções se tornou mais evidente.

Assim, é necessário compreender a profundidade das emoções e preocupações que levam os eleitores a apoiar líderes como Trump. Eles buscaram, acima de tudo, restaurar uma sensação de poder e controle em um mundo cada vez mais complexo e interconectado. Já Trump, claro, usará este sentimento para suas questões particulares também. De poder. Basta ver as indicações para saber que estão dispostos a tudo. Vamos ver como a sociedade reagirá.

Fernando Boscardin é advogado e jornalista.

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